Portugueses dizem que protestos e pandemia mudaram para sempre Hong Kong

Membros da comunidade portuguesa em Hong Kong defendem que protestos de 2019 e pandemia transformaram "para sempre" a região administrativa especial, que celebra esta sexta-feira 25 anos, num clima de incerteza e com a visita do Presidente chinês.

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Lusa
30/06/2022 07:12 ‧ 30/06/2022 por Lusa

Mundo

Hong Kong

Viena Mak Hei-man descreve uma cidade diferente daquela que a recebeu em 2009, quando deixou Macau para estudar em Hong Kong.

Por esta altura, nota a portuguesa, as autoridades reforçam a segurança das ruas com barreiras de proteção a bloquear algumas zonas da cidade. "Essas barreiras apareceram logo depois de 2020, por causa do movimento [contestatário de 2019] e estão cada vez mais altas", conta. Também bandeiras da China ou de Hong Kong e cartazes a aplaudir o apoio do Partido Comunista Chinês à região aparecem um pouco por toda a parte.

Celebram-se os 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong esta sexta-feira, e Viena não encontra motivos de festejo: "Talvez porque durante estes 10 anos tenha sentido que estava para vir um futuro melhor para Hong Kong, com base na competitividade e no crescimento [da região], mas, a partir de 2019, andámos para trás".

A trabalhar como assistente de investigação numa consultora ambiental, a jovem de 30 anos esteve presente em alguns dos protestos de 2019, que começaram por contestar uma emenda à lei da extradição, mas evoluíram para um movimento pró-democracia e anti-governamental.

Na sequência destes protestos, muitos deles violentos, o Governo Central chinês impôs uma controversa lei para a segurança nacional, que abafa qualquer ato de dissidência, assim como uma reforma do sistema político como garante de que o Governo e a máquina legislativa são liderados por "candidatos patriotas".

"Apesar de mais assentos no Conselho Legislativo, ficou reduzida a diversidade de vozes", avalia Viena Mak, acrescentando que a nova realidade se refletiu ainda na perda "das liberdades de expressão e de imprensa" no território.

"Algumas pessoas têm receio de sair à rua com máscaras amarelas ou porta-chaves relacionados com o movimento", diz.

O amarelo tornou-se a cor do movimento pró-democracia, com os manifestantes a usarem capacetes ou guarda-chuvas amarelos. O azul, por outro lado, está associado ao apoio da população às forças policiais.

"Quando alguém me pergunta se sou amarelo ou azul, respondo sempre que 'sou Hong Kong'", declara Francisco da Roza, para quem "os tumultos de 2019" não passam de "atos criminosos".

"Muitos dos manifestantes não sabiam o que estavam a fazer, seguiam um líder, é a pressão de grupo", analisa o lusodescendente, nascido em Xangai, em 1947, e criado em Hong Kong.

Com antepassados portugueses originários da freguesia de Tancos, que chegaram pela primeira vez a Macau no início do século XVIII, Roza assume-se um "orgulhoso português de Hong Kong".

À Lusa, o antigo presidente do Club Lusitano, que fez carreira internacional no setor bancário, nota que os protestos e a pandemia vieram "acelerar a debandada de pessoas" de Hong Kong.

"Famílias portuguesas foram embora, maioritariamente por decisão dos empregadores, e isto deve-se sobretudo às políticas de controlo fronteiriço impostas pelo Governo de Hong Kong", considera Roza, referindo que esta é uma comunidade "com menos de 100 membros".

À semelhança de Macau e da China continental, Hong Kong impôs uma política restritiva de entrada na cidade devido à covid-19, exigindo o cumprimento de longas quarentenas para quem chega do estrangeiro, que mais recentemente diminuíram para sete dias.

Estas medidas anti-pandémicas vieram alterar profundamente o ambiente empresarial local, avalia a arquiteta Ana Consciência, ao realçar que o "'networking' que existia acabou".

"Antes havia quem viesse à Ásia para reuniões, passava cá três dias e ia-se embora, agora não vão passar sete dias no hotel para estar três dias em reuniões", acrescenta a natural de Coimbra, a viver há dois anos e meio em Hong Kong depois de sete anos em Macau.

A arquiteta de 37 anos salienta, porém, que "é difícil separar" os efeitos da crise sanitária ou do momento político. Ambos vieram mudar "para sempre" a cidade."É outra cidade, sem dúvida", lamenta.

"Por causa da situação política, muitas pessoas com filhos não querem ter os miúdos cá na escola e também empresas decidiriam mudar para Singapura", concretiza.

Hong Kong perdeu quase 90 mil dos 7,5 milhões de habitantes em 2021, de acordo com números oficiais, divulgados pela agência Associated Press, que refere que mais de 100 mil pessoas partiram em fevereiro e março deste ano, durante a pior onda de covid-19 da cidade.

Já no que diz respeito ao clima empresarial, um estudo publicado no início do ano pela Câmara Americana de Comércio em Hong Kong (AmCham HK) assinala que uma em 20 empresas inquiridas pela associação planeia mudar a sede para fora de Hong Kong.

"Hong Kong é vista pela maioria como um centro global competitivo", embora Singapura seja "considerada a maior ameaça para a cidade, dada a localização estratégica e a abordagem pró-negócios", refere ainda o estudo que entrevistou 260 membros da AmCham HK.

Ana Consciência observa, além disso, que hoje, na hora de contratar, cada vez mais empresas exigem o dominínio do mandarim, o que dificulta a entrada de estrangeiros no mercado laboral de Hong Kong.

Para a macaense Ana Rocha, que se mudou para Hong Kong há quase quatro décadas, esta é uma das faces mais visíveis da transferência de soberania da região.

"Há mais de 20 anos o requisito de idiomas para ter um bom emprego era a fluência em cantonês [dominante em Hong Kong] e especialmente em inglês, agora vemos os requisitos alcançarem outra dimensão, sendo exigida fluência no mandarim", comenta esta reformada, a trabalhar a tempo parcial como intérprete-tradutora para o governo de Hong Kong.

Questionada sobre quais devem ser as prioridades do próximo chefe do Executivo, que toma posse no mesmo dia em que a região administrativa especial celebra um quarto de vida, Ana Rocha diz que se trata de perceber "como promover um relacionamento amigável e de confiança com a população, especialmente a geração mais jovem".

Viena Mak não se mostra tão otimista. Com Lee, "o fosso entre a população e o governo vai dilatar".

"[Os líderes] não são escolhidos pela população, não precisam de se responsabilizar", indica, referindo-se ao sistema de eleição do chefe do Executivo, que, através de um colégio eleitoral de 1463 membros, na maioria pró-Pequim, elege o dirigente de Hong Kong.

Para já, assume Ana Consciência, é visível alguma ansiedade com a tomada de posse de John Lee, que "tem um 'background' ligado à polícia".

"E há um burburinho por causa da vinda do Presidente [Xi Jinping], mas todos achamos que ninguém vai ter coragem de se manifestar, porque existe uma sensação de medo. Agora se alguém protesta vai logo preso", conclui.

Leia Também: Xi Jinping visita Hong Kong no culminar da sua transfiguração

 

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