Um relatório do Conselho de Segurança da ONU, difundido no mês passado, alertou para o reforço da presença no Afeganistão do grupo separatista Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM, na sigla em inglês), que as autoridades chinesas associam a atos de violência em Xinjiang, no extremo oeste do seu território.
O relatório, que reflete as avaliações feitas pelos serviços de informações de vários países, indicou que o grupo reconstruiu várias das suas bases no Afeganistão, apesar dos apelos feitos por Pequim aos talibãs para que eliminassem a sua presença, em troca de apoio e reconhecimento diplomático.
O ETIM opera no território afegão e na Síria e tem laços com vários grupos islâmicos, incluindo a Al-Qaida e o Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP), que analistas dizem ser um dos aliados mais próximos dos talibãs, que regressaram ao poder no Afeganistão em agosto de 2021.
Nesse mesmo mês, a 30 de agosto de 2021, era concluída a retirada das forças norte-americanas, dando por encerrado o ciclo de 20 anos de presença militar no Afeganistão.
"Vários Estados-membros observaram que o ETIM continua a reforçar as suas relações com o TTP e com o Jamaat Ansarullah [grupo islâmico do Uzbequistão com ligações à Al-Qaida], a aumentar os seus treinos militares no fabrico e uso de dispositivos explosivos improvisados, a focar-se na moral [dos combatentes] e a planear ataques terroristas contra interesses chineses na região, quando chegar a altura certa", lê-se no relatório da ONU.
O mesmo documento revelou que o ETIM reconstruiu várias fortalezas em Badakhshan - região no nordeste do Afeganistão que faz fronteira com a China -, "expandiu a sua área de operações" e "adquiriu armas", visando "aprimorar a sua capacidade para desenvolver atividades terroristas".
Uma pesquisa divulgada pelo Centro Internacional para o Contraterrorismo, grupo de reflexão ('think tank') com sede no Reino Unido, estimou que o ETIM tenha cerca de 1.000 militantes no Afeganistão.
O grupo tem laços com comandantes militares locais e muitos militantes do ETIM obtiveram cidadania afegã, apontou o 'think tank'.
A mesma fonte apontou que os talibãs não fizeram esforços para expulsar combatentes do ETIM do Afeganistão, mas que realocaram alguns militantes de Badakhshan para longe da fronteira chinesa, na tentativa de exercer algum controlo sobre o grupo e para "mostrar a Pequim que não há necessidade de se preocupar".
China e Afeganistão compartilham cerca de 70 quilómetros de fronteira em Xinjiang, uma das mais voláteis regiões chinesas, marcada por violentos confrontos étnicos nas últimas décadas, entre membros da minoria étnica de origem muçulmana uigur e os han, o grupo étnico maioritário no país.
As autoridades chinesas lançaram, nos últimos anos, uma ampla campanha repressiva na região, que resultou na detenção de mais de um milhão de uigures em centros de doutrinação, de acordo com organizações de defesa dos direitos humanos.
Para o Centro Internacional para o Contraterrorismo, os talibãs são "certamente fortes o suficiente para convencer o ETIM a não lançar ataques contra a China a partir do Afeganistão", mas optaram por manter o grupo como um "trunfo" nas negociações com Pequim.
Também preocupante para as autoridades chinesas é a recruta de uigures pela afiliada do Estado Islâmico no Afeganistão, o Estado Islâmico-Khorasan (Isis-K).
No relatório da ONU, um dos Estados-membros relatou a deserção de 50 combatentes uigures do ETIM para o Isis-K. Vários Estados-membros relataram que as renumerações mais altas atribuídas pelo Isis-K ajudaram no recrutamento.
"Quando os talibãs desencorajam os militantes uigures a realizar ataques contra a China a partir do Afeganistão, muitos militantes uigures podem ver isso como uma traição e isto pode levar a deserções para o Isis-K, que já está a lançar ferozes ataques contra os talibãs, pelas suas tentativas de forjar laços com países não muçulmanos como a China", destacou o Centro Internacional para o Contraterrorismo.
Um atentado suicida do Isis-K numa mesquita xiita no Afeganistão, em outubro passado, por um militante uigur, foi "bastante significativo", destacou o 'think tank'.
"O Isis-K enviou uma mensagem aos talibãs e à China de que tem a capacidade de recrutar militantes uigures e causar muitos problemas na relação", concluiu o grupo de reflexão.
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