Numa reunião do Conselho de Segurança para abordar denúncias de deslocamento forçado de civis ucranianos e o uso de operações de "filtragem" pelas forças russas, a subsecretária-geral para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz da ONU, Rosemary DiCarlo, fez um ponto da situação do número de vítimas causadas pela guerra e afirmou estar "extremamente preocupada" com os relatos sobre "campos de filtragem".
"As persistentes alegações de deslocamento forçado e os chamados 'campos de filtragem' administrados pela Federação Russa e forças locais afiliadas são extremamente preocupantes. Tais denúncias devem ser investigadas com a cooperação das autoridades competentes", apelou a subsecretária-geral.
Além de DiCarlo, também a secretária-geral adjunta de Direitos Humanos e chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU em Nova Iorque, Ilze Kehris, fez um 'briefing' da situação, informando que "cerca de sete milhões de pessoas estão deslocadas internamente na Ucrânia e milhões buscaram refúgio fora do país", "em qualquer direção possível".
"Violações de direitos humanos em territórios ocupados pela Rússia, ou controlados por grupos armados afiliados, também fizeram com que as pessoas fugissem. Essas condições levaram a uma situação em que aqueles que fugiam do perigo muitas vezes se sentiam compelidos a evacuar em qualquer direção possível, independentemente das suas preferências", relatou Kehris.
O Escritório de Ilze Kehris documentou "um número significativo" de civis que foram deslocados para a Rússia, incluindo cerca de uma dúzia de casos em que as Forças Armadas russas ordenaram que civis em Mariupol deixassem as suas casas ou abrigos, levando-os para territórios ucranianos controlados pela Rússia ou para a própria Federação Russa.
"Uma vez deslocados para território russo, nos casos documentados pela ONU, os civis tiveram liberdade de movimento. Muitos ucranianos optaram por viajar para outros países ou retornar à Ucrânia. No entanto, aqueles que optaram por regressar não receberam recursos financeiros ou outros apoios para fazê-lo", explicou a líder de Direitos Humanos, frisando que aqueles que foram levados para regiões remotas da Rússia, os custos de retorno tornaram-se "particularmente proibitivos".
Ainda de acordo com o Escritório de Direitos Humanos da ONU, há alegações credíveis de transferências forçadas de crianças desacompanhadas para a Rússia ou território ucraniano ocupado por Moscovo.
"Estamos preocupados que as autoridades russas tenham adotado um procedimento simplificado para conceder a cidadania russa a crianças sem cuidados parentais e que essas crianças sejam elegíveis para adoção por famílias russas", disse Ilze Kehris perante o Conselho de Segurança.
De acordo com o artigo 50 da 4.ª Convenção de Genebra, a Rússia está proibida de alterar o estatuto pessoal dessas crianças, incluindo a nacionalidade.
Ilze Kehris declarou estar particularmente preocupada com o facto de os planos anunciados pelas autoridades russas não parecerem incluir medidas para o reagrupamento familiar ou de outras formas garantir o respeito pelo princípio do interesse superior da criança.
Em relação aos campos de filtragem, de acordo com "relatórios credíveis" recebidos pela ONU, há inúmeras violações de direitos humanos, incluindo os direitos à liberdade, segurança pessoal e privacidade.
"Nos casos que o nosso Escritório documentou, durante a 'filtragem', as Forças Armadas russas submeteram pessoas a revistas corporais, às vezes envolvendo nudez forçada, e interrogatórios detalhados sobre antecedentes pessoais, laços familiares, visões políticas e lealdades do indivíduo. Examinaram pertences pessoais e recolheram dados de identidade pessoal, fotos e impressões digitais", disse Kehris.
"Estamos particularmente preocupados que mulheres e meninas estejam em risco de abuso sexual durante os procedimentos de filtragem", acrescentou a funcionária das Nações Unidas.
Antes do início da reunião do Conselho de Segurança, convocada pela Albânia e pelos Estados Unidos da América, a representante norte-americana junto à ONU, Linda Thomas-Greenfield, advogou que a "filtragem" que vem sendo feita pela Rússia resume "uma série de horrores que vêm acontecendo em tempo real na Europa e que ecoam um período muito sombrio do passado".
"Temos evidências de que centenas de milhares de cidadãos ucranianos -- incluindo crianças -- foram interrogados, detidos e deportados à força, e alguns deles enviados para áreas muito remotas. (...) Alguns simplesmente desaparecem", disse a embaixadora.
"Então, estamos aqui hoje para esclarecer o que está a acontecer nesses centros de filtragem e exigir que a Rússia interrompa essas operações, permita que observadores independentes acedam a esses locais e verifiquem o bem-estar desses indivíduos", acrescentou Thomas-Greenfield.
Por sua vez, o embaixador russo, Vasily Nebenzya, afirmou que tudo não passa de uma "invenção" e "propaganda" da Ucrânia e dos seus aliados ocidentais contra Moscovo.
Acusando a delegação norte-americana de "cinismo", Nebenzya relembrou que a administração do ex-presidente Donald Trump chegou a reter migrantes mexicanos que pediram asilo nos Estados Unidos em condições "desumanas" e a "separar famílias".
Ainda no campo das comparações, o diplomata russo mencionou a prisão de Guantánamo, em que as autoridades norte-americanas "detiveram ilegalmente, sem investigação ou julgamento", vários prisioneiros.
Nebenzya advogou que nenhum ucraniano é impedido de deixar a Rússia e afirmou que o seu país é o que mais acolhe refugiados ucranianos.
[Notícia atualizada às 22h50]
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