Em declarações à Lusa, Pedro Seabra, investigador no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-Iscte), afirmou que é expectável que ocorram vários discursos de condenação por parte de aliados da Ucrânia na 77.ª sessão da Assembleia-Geral da ONU (UNGA 77, na sigla em inglês), que arranca este mês em Nova Iorque.
Para o investigador português, é de esperar a "continuação das posições de condenação por parte dos principais aliados da Ucrânia em cada momento formal que se avizinhe, com particular destaque para o momento reservado à intervenção em plenário do representante da delegação russa".
Contudo, Seabra acredita que há já algum sentimento de fadiga face ao curso da guerra, a par de vozes que se levantam a pedir o início de negociações para uma eventual trégua, pelo que consensos a condenar a agressão russa podem começar a diminuir.
Já Richard Gowan, especialista em matérias relacionadas com o sistema das Nações Unidas, não tem dúvidas de que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, não apenas será capaz de ignorar as tentativas de isolamento, como tentará "minar a narrativa dos Estados Unidos e da Europa" sobre a guerra.
"Lavrov é um veterano jogador da ONU e foi embaixador russo em Nova Iorque durante a guerra do Iraque. Ele ignorará as críticas ocidentais e não mostrará dúvidas sobre o direito da Rússia de atacar a Ucrânia. Ele também tentará usar reuniões bilaterais para encantar líderes não-ocidentais e minar a narrativa dos Estados Unidos e da Europa sobre a guerra", avaliou Gowan.
Também Sarah Cliffe, diretora do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova Iorque, disse à Lusa que existirão esforços para isolar a Rússia, mas salientou que há vários países, de diferentes áreas geográficas, com perspetivas diferentes sobre o conflito em curso no território ucraniano e os impactos do mesmo.
"A maioria condena o ato de agressão da Rússia e a violação dos padrões territoriais, mas há diferenças no norte e no sul. Em alguns países do sul, a opinião pública é bastante crítica em relação à NATO", disse a analista.
"Os países em desenvolvimento também sentem que existem padrões duplos no tratamento dos refugiados e os apelos à responsabilização, apontando para o tratamento dos refugiados sírios ou do povo rohingya e a falta de responsabilidade sobre a invasão do Iraque", realçou ainda a especialista.
Sarah Cliffe sublinhou ainda que os países do sul estão preocupados, entre outros aspetos, com o aumento dos preços dos alimentos e da energia, e das respetivas dívidas, bem como estão céticos sobre se haverá assistência suficiente, assistindo assim à guerra por outra perspetiva.
A UNGA 77, que reunirá em Nova Iorque chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, terá início na próxima terça-feira sob o tema "Um momento divisor de águas: soluções transformadoras para desafios interligados", sendo que o primeiro dia do Debate Geral de alto nível - o momento em que os líderes internacionais se dirigirem ao mundo - está previsto para 20 de setembro.
A delegação da Rússia tem registado problemas na obtenção de vistos para participar no evento, uma vez que os Estados Unidos, como país anfitrião da ONU, ainda não autorizou a entrada dos russos no país, o que motivou várias queixas por parte da missão russa junto às Nações Unidas.
Para Pedro Seabra, a questão de concessão de vistos para a delegação russa poder entrar em território norte-americano concentrará as atenções mediáticas até ao último instante, "mas é antecipável que seja encontrada uma forma de permitir a sua presença - até porque os Estados Unidos a isso estão obrigados ao abrigo do acordo de acolhimento da sede da ONU em Nova Iorque".
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