Chama-se Caxaramba, um nome que foi buscar à designação da aguardente de cana no crioulo santomense, mas em tudo o resto recorre à produção local, da cana-de-açúcar proveniente de Benguela e do Cuanza Sul, ao melaço proveniente do Malanje, diz o fundador da marca, o português, Ricardo Guerra.
Oriundo da região do Douro e ligado a uma família com tradição vinícola, Ricardo Guerra formou-se em enologia na Universidade de Vila Real e começou por produzir bebidas destiladas no mercado informal em Angola, antes de decidir criar a Caxaramba, numa antiga adega onde antes se produzia vinho de abacaxi.
"O abacaxi é o fruto mais parecido com a uva, a nível organoléptico", elucida o empresário.
O vinho de abacaxi foi, ao longo de décadas, produzido por Artur Lourenço Pires, figura emblemática do Lobito e que um cartaz homenageia no mesmo local onde, em finais dos anos 60, implantou a Cifal (Companhia Industrial de Frutas Angola), criando o vinho da marca Caxi que, a partir daquela cidade do sul de Angola, abastecia todo o território nacional.
E foi também esse o local escolhido, em 2018, por Ricardo Guerra, que decidiu revitalizar a fábrica que estava inativa há mais de 20 anos, e que funciona agora como armazém, adega e destilaria.
Futuramente, Ricardo Guerra quer também criar um espaço de degustação onde possa receber turistas, incluindo os que viajam no luxuoso comboio sul-africano Rovos Rail, que inicia a viagem em Dar-Es-Salaam, na Tanzânia, atravessando África de costa a costa até chegar ao Lobito (província de Benguela, 15 dias depois).
Ali, além das provas de rum, ficarão também a saber mais sobre o seu processo de fabrico artesanal.
A cana-de-açúcar é colhida, pesada e moída, iniciando-se depois a fermentação que dura 4 a 5 dias. Posteriormente, o mosto é separado e o líquido passa por duas destilações, antes de ser filtrado e vertido para os barris onde vai envelhecer, de carvalho francês e americano, e que conferem diferentes aromas ao rum.
Este processo de envelhecimento contribui "em mais de 80% para a qualidade da bebida" que do 'blend' destes lotes de rum.
A Caxaramba conta atualmente com 200 barris, de 300 e 500 litros, tendo sido recentemente adquiridos mais 300 na perspetiva de aumentar a produção.
Atualmente, estão a ser produzidas por ano cerca de 30 mil garrafas, totalmente vendidas para o mercado angolano, mas o objetivo de Ricardo Guerra é exportar, apontando Namíbia e Africa do Sul alguns mercados preferenciais
"Queremos ter cada vez mais runs envelhecidos para podermos crescer não só em volume, mas também qualidade", sublinha o empresário português. O sucesso da Caxaramba passa muito por poder exportar. É isso que queremos e é para isso que trabalhamos para conseguir alcançar".
E, entretanto, vai ensaiando a criação de outros destilados como o gin e vodka, que produz usando arroz e fuba de milho de produção local.
O incentivo maior, sublinha, "é a alma e paixão".
Porque para Ricardo Guerra a Caxaramba, que emprega atualmente cerca de 40 pessoas, não é apenas mais um negócio.
Trata-se também de contar uma história, com contornos trágicos, e estigmatizante por estar associada à cultura do açúcar, à colonização e ao comércio de escravos.
"Era e continua a ser uma cultura dura, a nível de produção e de colheita. Além disso, precisa de uma área de muito extensa. Depois da descolonização muitas plantações foram abandonadas, existiu um longo período de conflito, mas penso que houve também um estigma geracional que fazia com que as pessoas não quisessem estar associadas ao negócio", comentou o sócio-gerente da empresa
No entanto, Ricardo Guerra acredita que o rum merece ser valorizado e pode vir a tomar o espaço que agora tem o gin nas preferências dos consumidores, até por que "é uma bebida mais criativa".
Considera também que o rum africano começa a despertar o interesse dos grandes 'players' estrangeiros, o que pode vir a colocar Angola -- e a Caxaramba - no mapa das bebidas a nível global.
"O rum africano foi, de alguma maneira marginalizado, ao longo de décadas, pelos grandes 'players' de destilados, até em países onde existe grande consumo deste tipo de bebidas, mas hoje há mais interesse por que é um produto único e o mercado anda sempre à procura de coisas novas.
Para Ricardo Guerra, "o rum é mais africano do que de qualquer outro continente" e deve ser também distinguido por ser um produto nobre "com muita história, muito conteúdo".
"Temos de seguir o que foi feito no Caribe, nos Barbados, países que foram colonizados e acabaram por ficar associados à exploração de cana-de-açúcar e ao comércio de escravos", mas souberam virar a seu favor "o sofrimento dessas gerações" celebrizando o rum.
Salientou, por outro lado, que é preciso que os angolanos comecem a olhar para os produtos nacionais de forma diferente: "temos um produto que pode competir com um produto importado e que pode estar ao lado de marcas centenárias, e isso tem de ser valorizado".
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