"O secretário-geral expressou as suas preocupações ao lado russo sobre os procedimentos em torno da anexação, numa conversa com o embaixador [Vasily] Nebenzia na quarta-feira, e os contactos continuarão", disse Stéphane Dujarric a jornalistas, logo após um discurso de condenação feito por Guterres.
Antes, António Guterres alertou a Rússia que a anexação de territórios ucranianos "não terá valor jurídico e merece ser condenada", frisando que "não pode ser conciliada com o quadro jurídico internacional".
Numa breve declaração à imprensa sem direito a perguntas, na sede da ONU em Nova Iorque, Guterres posicionou-se contra a intenção de Moscovo de iniciar um processo de anexação, reforçando que se trata de uma violação clara dos princípios das Nações Unidas.
"Qualquer decisão de prosseguir com a anexação das regiões da Ucrânia de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia não terá valor jurídico e merece ser condenada. Não pode ser conciliada com o quadro jurídico internacional. Opõe-se a tudo o que a comunidade internacional deveria defender", advogou o ex-primeiro-ministro português.
"Desrespeita os propósitos e princípios das Nações Unidas. É uma escalada perigosa. Não tem lugar no mundo moderno. Não deve ser aceite", afirmou.
Mais tarde, Dujarric sublinhou que esta "é provavelmente a linguagem mais forte" que Guterres dirigiu à Rússia desde a invasão da Ucrânia.
O porta-voz informou então que Guterres fez questão de transmitir a sua posição a Moscovo, acrescentando que o líder das Nações Unidas falou também na quarta-feira com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
"Acho que isso [declaração de Guterres] é um lembrete para o mundo da situação perigosa em que nos encontramos. É um lembrete da necessidade de todos os Estados-Membros respeitarem o direito internacional", afirmou Dujarric num 'biefing' à imprensa.
"A arma mais forte do secretário-geral é o microfone, é o seu púlpito e, paralelamente, são todas as conversas que ele vem tendo com líderes mundiais sobre esse assunto, porque (...) há um papel para a ONU, mas há também um papel para outros Estados-Membros se manifestarem e terem um impacto positivo em termos de acabar com este conflito. Ele falou na quarta-feira também com o Presidente Zelensky, e teve ainda outros contactos", disse.
Apesar de Guterres ter expressado a sua forte posição na defesa do direito internacional, isso não significa que não continuará com a via do diálogo aberta com Moscovo: "Pelo contrário, acho que as comunicações precisarão continuar e continuar de uma maneira forte", avaliou o porta-voz.
Dujarric disse ainda esperar que o escalar do conflito através da anexação não afete diretamente acordos em vigor, como iniciativas de acesso a alimentos e fertilizantes.
"Esperamos que essas operações continuem. Eles são vitais para o mundo, são vitais para os famintos, hoje e amanhã, especialmente quando se trata de fertilizantes. Esperamos muito que continuem", apelou o porta-voz de Guterres.
O Kremlin anunciou hoje que as quatro regiões da Ucrânia que realizaram referendos sobre a adesão à Rússia serão incorporadas no país na sexta-feira.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, adiantou ainda que o Presidente russo, Vladimir Putin, participará numa cerimónia em que as regiões se tornarão oficialmente russas.
Peskov disse aos jornalistas que os líderes das quatro regiões - onde os referendos terminaram na terça-feira - assinarão os tratados para se juntarem à Rússia durante a cerimónia de sexta-feira no Kremlin.
A anexação oficial já era esperada após a votação nas áreas sob ocupação russa na Ucrânia, cujos habitantes, alegou Moscovo, apoiavam esmagadoramente a anexação formal destes territórios pela Rússia.
Os Estados Unidos e os seus aliados ocidentais condenaram veementemente os referendos, classificando-os como uma farsa e prometendo nunca reconhecer os seus resultados.
A Ucrânia também classificou os referendos como ilegítimos, dizendo que tem todo o direito de retomar os territórios.
Em 2014, a Rússia já tinha usado o resultado de um referendo realizado sob ocupação militar para legitimar a anexação da península ucraniana da Crimeia, no Mar Negro.
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