Ministro cabo-verdiano pede "juízo" a concessionária marítima

O ministro do Mar cabo-verdiano pediu hoje "juízo" à Cabo Verde Interilhas (CVI), face às alterações "unilaterais" nos transportes marítimos, e garantiu que os navios do grupo português ETE não saem do arquipélago caso a concessão seja terminada.

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Lusa
03/11/2022 18:09 ‧ 03/11/2022 por Lusa

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Cabo Verde

"O Governo tem sido a pessoa crescida na sala, o adulto na sala (...) Nós estamos a comportar-nos com o devido sentido de Estado, garantindo que o Estado não rompa por birra o contrato de concessão. Nós queremos que o serviço funcione, mas quando apenas um dos membros faz esse esforço, claramente alguém está a fazer com que esse trabalho não tenha sucesso", afirmou hoje, em conferência de imprensa, no Mindelo, o ministro do Mar, Abraão Vicente.

Em causa estão várias alterações e problemas verificados nas últimas semanas com a concessão do serviço público de transportes marítimos de passageiros e mercadorias, atribuída pelo Governo cabo-verdiano, após concurso público, desde agosto de 2019, à CVI, detida em 51% pela Transinsular (grupo português ETE) e 49% por armadores cabo-verdianos.

"Nós não somos um privado, somos o Estado de Cabo Verde. Portanto, não aceitaremos qualquer tipo de chantagem e qualquer tipo de ameaças que possam levar a um vazio na prestação do serviço de transportes marítimos em Cabo Verde. A CVI tem que tomar juízo. Vou usar uma expressão muito forte, tem que tomar juízo", acrescentou.

A posição surge numa altura em que a concessão das ligações marítimas volta a estar fortemente politizada, com duras críticas do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) ao alegado retrocesso neste serviço e após o Presidente da República, José Maria Neves, ter falhado no sábado uma visita à ilha Brava devido à avaria de um dos navios da CVI.

Nos últimos dias surgiu ainda a contestação generalizada à alteração da programação de novembro, que passou a prever a viagem entre as ilhas do Fogo e Santiago (Praia, capital) com pernoita na ilha Brava, bem como a retirada da frota da empresa do navio "Praia da Aguada", passando a operar com apenas três navios, contra os cinco previstos na concessão, conforme apontou hoje o ministro.

A programação foi recebida na Comissão de Acompanhamento da Concessão (CAC) em 28 de outubro, que "concluiu pela não aprovação" por "insuficiência no serviço mínimo contratual".

"O Governo considerou que esta alteração vai contra o caderno de encargos da concessão, obrigando carga, grande parte perecível, e passageiros do Fogo a pernoitar na Brava, a caminho de Santiago, com elevados prejuízos, não só para os operadores económicos, mas para as pessoas e para os passageiros. Por isso interviemos e a ligação Fogo-Santiago foi imediatamente reposta", explicou.

"Essas alterações foram tomadas à revelia do Governo. Estão a ser acompanhadas pela CAC, pela Direção Nacional da Políticas do Mar [DNPM], enquanto entidade reguladora, de modo a garantir a reposição do serviço público. Confirmou-se ontem [quarta-feira] a reposição da linha Fogo-Santiago. Contudo, às 22:00 de ontem [quarta-feira] recebemos uma nova programação da CVI onde a ilha de São Nicolau é retirada [sem ligações até 10 de novembro]. A DNPM, por indicação minhas enquanto ministro, vai atuar dando uma multa à CVI, no sentido de reposição das linhas contratualizadas no contrato de concessão, que são sete linhas", enfatizou Abraão Vicente.

Recordou que está em curso há 15 dias a revisão, pela tutela das Finanças, do contrato de concessão -- que prevê a subsidiação das linhas deficitárias - "com o objetivo de garantir a sustentabilidade", daí "estranhar" que a CVI "continue unilateralmente a tomar medidas que alteram e criam ruído no normal curso e na normal gestão do serviço".

"Quando se está na mesa negocial, nenhum parceiro leal e de confiança provoca ruídos no terreno que vá levar a uma falta de confiança no processo negocial", criticou.

A CVI -- que inicialmente operava uma frota com três navios afretados a armadores locais sócios da empresa, além do "Chiquinho BL" e "Dona Tututa" comprados pelo grupo ETE e afretados à concessão - alegou recentemente uma dívida de 9,5 milhões de euros do Estado, relativa à concessão, em que transportou nos primeiros três anos 1,5 milhão de passageiros.

Segundo Abraão Vicente, o Governo aprovou "há menos de 15 dias" o pagamento de uma primeira tranche de 89 milhões de escudos (814 mil euros), após validação, e está em cima da mesa "para avaliação" e "pagamento até ao final do ano" uma tranche de mais 200 milhões de escudos (1,8 milhão de euros).

Sobre as críticas do PAICV (no poder até 2016) ao atual modelo, Abraão Vicente disse que "nunca é demais relembrar que antes de 2016 e antes da assinatura e construção deste novo modelo de transportes marítimos, não havia previsibilidade, não havia regularidade".

"O senhor Presidente da República apanhou um momento de turbulência, de facto, mas não é porque o Presidente deixou de ir à Brava que a situação é grave", reagiu ainda Abraão Vicente, que na sexta-feira recebe o presidente do PAICV, Rui Semedo.

Insistiu que "o Governo não aceita medidas unilaterais", não colocando de parte alternativas à rescisão do contrato de concessão.

"Estamos a trabalhar em planos alternativos, caso a CVI continue a não cumprir. Porque aqui, a partir do momento que o Estado de Cabo Verde está a fazer esforços financeiros através do fundo de segurança, a CVI tem que cumprir", disse.

E revelou que a CVI entregou esta semana a prestação de contas do último trimestre, com um défice operacional de cerca de 422 milhões de escudos (3,8 milhões de euros): "Mais uma vez vamos analisar as contas, mas só com uma contabilidade criativa é que se pode chegar a este valor, num período em que houve graves deficiências de ligação entre as ilhas".

Explicou que o período negocial da revisão da concessão "deve ir até finais de novembro" e que Cabo Verde "saberá tirar ilações" e procurar "alternativas", avisando que os dois navios do grupo ETE colocados no arquipélago são como uma garantia, face às dívidas de mais de 300 milhões de escudos (2,7 milhões de euros) que diz existirem para com as empresas públicas Cabnave (estaleiros navais) e Enapor (gestão dos portos).

"Nenhum navio da CVI sairá de Cabo Verde caso haja a rutura do contrato de concessão (...) Caso unilateralmente a CVI provoque um término do serviço de concessão, Cabo Verde não ficará sem serviço marítimo. Isso significa que o Estado fará e dará todos os passos necessários para que o 'Chiquinho' e o 'Dona Tututa' permaneçam ao serviço de Cabo Verde. Temos todos os instrumentos para o fazer, nomeadamente através das dívidas que existem neste momento da empresa CVI e do grupo ETE", disse.

"Aqui não há ilusões. Ninguém foge de Cabo Verde com os barcos", avisou.

Leia Também: Cabo Verde candidata-se à presidência da Confederação Empresarial da CPLP

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