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Ucrânia. Fome estalinista de há 90 anos classificada como genocídio

Líderes políticos de vários países estão a classificar como genocídio o "Holodomor", a fome causada por Estaline há 90 anos na Ucrânia, quando ordenou que as colheitas fossem confiscadas em nome da coletivização das terras.

Ucrânia. Fome estalinista de há 90 anos classificada como genocídio
Notícias ao Minuto

07:09 - 26/11/22 por Lusa

Mundo Holodomor

O flagelo histórico cometido pelo regime estalinista na Ucrânia soviética, também designado como "A Grande Fome" ou "A Fome-Terror", fez, entre 1932 e 1933, cerca de 3,5 milhões de vítimas ucranianas -- aliás "Holodomor" significa em ucraniano isso mesmo: exterminação pela fome.

A Roménia, a Irlanda, a Alemanha e o Vaticano foram, até agora, alguns dos países que atribuíram ao crime da era soviética a classificação que a Ucrânia vinha pedindo há anos e que adquiriu uma nova atualidade desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a 24 de fevereiro deste ano, e durante alguns meses bloqueou a saída de cargueiros com cereais dos portos ucranianos, fazendo temer uma crise alimentar mundial.

Na quarta-feira, o parlamento romeno aprovou um texto classificando o "Holodomor" como um "crime contra a Humanidade" e, na quinta-feira, foi a vez de o Senado irlandês aprovar uma resolução considerando-o um "genocídio do povo ucraniano".

No mesmo dia, também o Papa Francisco falou sobre o assunto no Vaticano, utilizando o termo "genocídio": "Rezamos pelas vítimas desse genocídio e por tantos ucranianos -- crianças, mulheres, pessoas idosas e bebés -- que agora sofrem o martírio da agressão".

Na sexta-feira, foi a vez de o parlamento alemão anunciar que na próxima semana vai definir como "genocídio" essa "Fome-Terror" imposta há 90 anos ao povo ucraniano pelo regime de Estaline.

Será com uma unanimidade rara que a coligação no poder, formada pelo Partido Social-Democrata (SPD), pelos Verdes e os liberais do FDP, à qual se juntará a oposição conservadora do bloco CDU-CSU, formado pela União Democrata-Cristã e a União Social-Cristã bávara, vai aprovar na próxima quarta-feira, 30 de novembro, uma resolução nesse sentido no Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão.

"Todos os grupos parlamentares democráticos alemães chegaram a acordo sobre uma importante moção conjunta sobre o 'Holodomor'", reagiu de imediato na rede social Twitter o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, expressando a sua "gratidão por ver homenageado o povo ucraniano".

Esta fome inscreve-se "na lista dos crimes desumanos cometidos por sistemas totalitários que fizeram desaparecer milhões de vidas humanas na Europa, em particular na primeira metade do século XX", lê-se no projeto de resolução, citado pela agência de notícias francesa AFP.

Este crime "faz parte da nossa história comum enquanto europeus; foi toda a Ucrânia que foi atingida pela fome e pela repressão, e não só as suas regiões produtoras de cereais", sublinha o texto.

"Da perspetiva atual, é evidente que se trata de um genocídio no plano histórico e político", acrescenta.

O Bundestag "retira do próprio passado da Alemanha uma responsabilidade especial, a de identificar e de agir contra crimes contra a humanidade na comunidade internacional", explica-se ainda no documento.

Esta classificação do "Holodomor" como "genocídio" - um conceito cunhado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) com o Holocausto - o assassínio em massa de milhões de judeus, além de homossexuais, ciganos, testemunhas de Jeová e outras minorias, a partir de um programa de extermínio sistemático criado pelo regime nazi de Adolf Hitler -- ganhou agora um novo significado, perante a guerra russa na Ucrânia, que já dura há nove meses e fez um número ainda indeterminado de mortos e feridos, além de milhões de deslocados internos e refugiados noutros países europeus.

"Mais uma vez, a violência e o terrorismo estão a privar a Ucrânia do que é fundamental para a sua sobrevivência e a subjugar todo o país", observou o deputado ecologista Robin Wagener, um dos redatores do texto, considerando que classificar o "Holodomor" como "genocídio" é um "aviso" a Moscovo, cuja ação na Ucrânia poderá conduzir a uma nova fome.

Segundo Wagener, o Presidente russo, Vladimir Putin, "inscreve-se na cruel e criminosa tradição de Estaline".

O chanceler alemão, Olaf Scholz, e a sua chefe da diplomacia, a ecologista Annalena Baerbock, declararam também na sexta-feira apoiar a classificação do "Holodomor" como genocídio, segundo os respetivos porta-vozes.

Em mais um exemplo de revisionismo da história, a Rússia rejeita categoricamente tal classificação, argumentando que a grande fome que abalou a União Soviética nos anos 1930 não fez só vítimas ucranianas, mas também russas, cazaques, alemãs do Volga e membros de outros povos.

"No início dos anos 1980, representantes soviéticos ainda negavam o 'Holodomor' na Assembleia-Geral das Nações Unidas", recorda o texto da resolução alemã, lamentando que tenham sido "necessárias décadas para que os dirigentes soviéticos, sob a liderança de Mikhaïl Gorbatchev, reconhecessem que tinha havido uma 'fome'" na Ucrânia.

A política levada a cabo por Putin, marcada, em 2021, pelo encerramento da organização Memorial, que documentava os crimes do estalinismo e recebeu, depois, o Prémio Nobel da Paz, sublinha a esse propósito "a ideologização revisionista" atual da história russa, critica o texto que será aprovado na próxima quarta-feira no Bundestag.

Até hoje, o "Holodomor" continua a dividir opiniões de historiadores e do público, entre os que o rotulam como genocídio e traçam paralelos com o Holocausto e outros que rejeitam essa classificação e consideram a comparação inadequada, embora reconheçam a dimensão humana da tragédia, por questionarem se a grande fome foi uma política de extermínio deliberadamente concebida por Estaline ou uma consequência imprevista da industrialização soviética.

Leia Também: Parlamento alemão vai aprovar classificar Holodomor como genocídio

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