Uma vaga de protestos alastrou-se, nos últimos dias, a várias cidades chinesas contra as rigorosas medidas de confinamento impostas pelas autoridades nacionais. A contestação intensificou-se após a morte de dez pessoas num incêndio, num edifício alvo de confinamento em Urumqi, capital da região autónoma de Xinjiang.
Macau, que registou seis mortes desde o início da pandemia, também segue a política chinesa de 'zero covid', apostando em testagens em massa, confinamentos de zonas de risco e quarentenas de cinco dias para quem chega ao território -- com exceção de quem vem da China continental.
"Temos cada vez mais pessoas a queixarem-se que se seguirmos a política do interior da China vamos gerar mais problemas em Macau, mas parece-me que o ressentimento público ainda não alcançou aquele nível", começou por dizer o cientista político Eilo Yu.
O professor da Universidade de Macau observou, porém, que a estratégia em Macau é "menos rígida" do que no interior da China, estando, além do mais, amparada por "subsídios e dinheiro", na forma, por exemplo, de várias rondas de distribuição de cartões de apoio ao consumo no valor de oito mil patacas (961 euros).
Em solidariedade com as vítimas de Urumqi e os protestos na China, um estudante da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), oriundo do interior da China, manifestou-se no início desta semana nas instalações do estabelecimento de ensino.
Apesar da imagem do episódio ter aparecido nas redes sociais, o jovem, que aparecia a segurar um papel A4 branco -- já um símbolo de resistência no país -- pediu à Lusa para não ser identificado pelo nome, por receio de sofrer represálias.
"Vi muitos estudantes universitários, um pouco por todo o país, a serem suficientemente corajosos para se levantarem e erguerem papéis brancos em defesa dos compatriotas, e eu soube nessa altura que podia fazer algo, mesmo que a uma escala menor", explicou.
O manifestante solitário contou que esteve uma hora no local, "até ser persuadido por um professor a ir embora" e que um segurança "impediu pessoas de fotografarem" o ato de contestação.
Para um sociólogo entrevistado pela Lusa, "a ação na MUST" tratou-se de um ato isolado, não existindo "uma dinâmica em Macau que motive as pessoas a saírem para a rua".
O docente, uma das várias pessoas entrevistadas para este trabalho que não quis divulgar a identidade -- "este é um tema muito sensível" - apontou diferenças entre a população de Macau e de Hong Kong, onde, na segunda-feira, estudantes entoaram frases de "oposição à ditadura" num protesto contra as medidas de contenção da pandemia na China.
Hong Kong tem apertado o controlo de segurança desde que Pequim lançou uma campanha em 2019 para esmagar um movimento pró-democracia.
"A população [de Hong Kong] está mais cansada do que a de Macau e algumas pessoas são mais sensíveis do que aqui", disse.
"Ao receber-se dinheiro do governo, existe a obrigação de não se ter voz", concretizou.
Também o silêncio da comunicação social local pode justificar o alheamento da população de Macau, reforçou o politólogo Eilo Yu. Mas ressalvou: "Se a situação piorar e for feito barulho junto da comunidade internacional, então acredito que mais residentes de Macau se apercebam da campanha e das manifestações e isso poderá gerar algum tipo de empatia", referiu.
No mesmo sentido, o deputado português José Pereira Coutinho considerou que os média em Macau estão a falhar: "Muitas vezes nem sequer relatam questões que os deputados levantam bastante sérias". E completou, referindo-se aos protestos: "Quanto mais aquilo que está no interior do continente".
O também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública, para quem a situação em Macau "não está tão mal ao ponto das pessoas saírem à rua", defendeu ainda que não é com manifestações "que se resolvem os problemas".
A Lusa contactou outros dois académicos para este trabalho, mas sem sucesso. Num email, uma outra docente universitária disse não acreditar que as manifestações se alastrem a Macau, porque além de as medidas de prevenção pandémica não serem "tão duras", em comparação com o outro lado da fronteira, "para a maior parte das pessoas em Macau a mobilidade não é tão importante".
"A passagem fronteiriça para Zhuhai [cidade adjacente a Macau] continua a ser frequente apesar dos inconvenientes e para aqueles que pensam que a mobilidade internacional é importante provavelmente já deixaram Macau nos últimos dois anos ou estão tristemente a pensar deixar", indicou.
A académica, que também não quis ver o nome referido neste texto, lamentou que a instituição para a qual trabalha "desencoraje os professores a falarem com a comunicação social".
Antes, "o nosso contributo com conhecimento e perspetivas era considerado um serviço à comunidade e à sociedade de Macau. Sinto-me bastante chateada e enfraquecida", concluiu.
Leia Também: Universidade de Macau cria prémio para melhores teses em português