Anatoly Litvinenko, filho do ex-espião russo Alexander Litvinenko, conhecido opositor do presidente russo, Vladimir Putin, terá sido alvo de uma tentativa de recrutamento, por parte do exército de Moscovo, para que se juntasse aos combates em território ucraniano. Isto apesar de já não viver na Rússia "há mais de 20 anos".
A denúncia foi feita pelo próprio Anatoly Litvinenko num texto publicado no jornal britânico The Guardian, onde recorda a forma como o pai morreu em 2006, no Reino Unido, "semanas depois de ter bebido um chá contendo polónio 210, um isótopo radioativo". Em causa está um envenenamento que foi atribuído ao Kremlin por parte, nomeadamente, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos.
Agora com 28 anos, Anatoly Litvinenko relatou que, em "meados de outubro", no seguimento da "mobilização parcial de cidadãos russos" destinada a reforçar as forças militares na Ucrânia, ouviu-se alguém a "bater à porta" de um apartamento, em Moscovo, que está registado como sendo a sua "residência oficial" em território russo.
Mas como já não vive na Rússia desde 2000, altura em que viria a fugir com os pais para território britânico, onde viriam a obter asilo político, os "dois oficiais da administração militar russa" que procuravam por Anatoly Litvinenko em Moscovo foram recebidos por amigos da família do falecido ex-espião, que questionaram se Anatoly não estaria, efetivamente, em casa.
A propósito desta sua tentativa de recrutamento, o filho do ex-espião assassinado pelo Kremlin considerou que a mesma foi "em partes iguais, confusa e nada surpreendente". Recordando que a "relação" da sua família com o Estado russo "não tem sido exatamente a ideal desde a ascensão de Putin ao poder, em 2000", Anatoly Litvinenko disse, no entanto, que já esperava, efetivamente, "estar perto do topo de qualquer lista de pessoas a serem enviadas para o leste da Ucrânia para serem utilizadas como 'carne para canhão'".
Porém, acrescentou, relatando o "elemento verdadeiramente confuso" desta tentativa de recrutamento: "Os russos estão bem cientes da nossa história. Como a minha mãe e eu fugimos, juntamente com o meu pai, como conseguimos asilo político no Reino Unido, e depois tivemos de testemunhar a sua morte lenta e agonizante do que só pode ser descrito como uma arma nuclear microscópica - e nunca mais voltámos ao país onde nascemos e que tão desdenhosamente nos desprezou".
Apesar de tudo isso, explicou o filho do crítico de Putin, "a administração militar apareceu num endereço" onde Anatoly Litvinenko "não residia há duas décadas e, com total sinceridade e entusiasmo", procurou levá-lo "para a frente" de batalha.
Este é um caso que, na perspetiva do descendente de Alexander Litvinenko, é também "indicativo" da desorganização russa no decorrer do conflito com a Ucrânia, destacando aquilo que diz ser uma "completa falta de comunicação e compreensão entre a ideologia brutal do Kremlin e o sofrimento dos seus súbditos, cada vez mais ressentidos e relutantes".
Anatoly disse ainda ter a certeza de que, caso estivesse efetivamente na casa da sua família, em Moscovo, ter-lhe-iam sido dados "cerca de 30 minutos para arrumar as coisas e para sair de casa com eles, provavelmente para nunca mais voltar".
Alexander Litvinenko, pai do jovem russo que foi agora alvo de uma tentativa de recrutamento por parte do exército do país, foi um espião que ascendeu ao cargo de tenente-coronel do FSB (Serviço de Segurança Federal), entidade sucessora do KGB. Depois de ter abandonado a agência, colaborou ativamente com os serviços de informação britânicos, o que o ajudaria, e à sua família, a conseguir asilo político no Reino Unido.
Nos seus últimos dias de vida, Alexander Litvinenko tinha acusado Vladimir Putin de encomendar o seu assassinato, depois de ter já sido afastado do FSB após acusar publicamente a agência de ter uma quota parte de responsabilidade em casos de bombardeamentos registados num bloco de apartamentos em Moscovo e em outras duas cidades russas, bem como de estar associada a práticas de crime organizado.
Apesar de tudo isto, a Rússia negou veementemente as acusações feitas por Litvinenko, bem como o veredito feito pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que condenou a Rússia a pagar 100 mil euros à viúva de Litvinenko por danos morais, na sequência do assassinato. Em causa está uma decisão "infundada", na ótica do Kremlin.
Leia Também: Tropas ucranianas alcançam margem oriental do rio Dnieper