Em entrevista à Agência Lusa, Valentina Melnikova afirmou que durante muitos anos a UCMSR tinha contactos regulares com a imprensa russa, mas agora é ignorada e trabalha "no vácuo", restando-lhe plataformas digitais como o Youtube para difundir as suas mensagens en defesa dos direitos dos soldados.
"Quando dou uma entrevista, colocada depois naquele suporte electrónico, vejo imediatamente as reacções. Uma vez, por exemplo, a entrevista foi comentada amplamente pelo grande público; outra, foi o próprio presidente Putin que, num discurso oficial, repetiu, praticamente letra a letra, o que eu afirmara sobre a mobilização, como erros e violações jurídicas", disse Melnikova.
Nova legislação aprovada após a invasão russa da Ucrânia em 2022 prevê pesadas penas de cadeia para quem colocar em causa a versão oficial da "operação militar especial" em curso, que envolveu já uma mobilização parcial adicional de centenas de milhares de soldados enviados para a a frente no país vizinho.
A UCMSR, criada formalmente em 1989, recebeu ao longo das décadas seguintes prémios internacionais de prestígio, como um do Partido Social Democrata da Alemanha pela defesa dos direitos humanos, mas agora tais distinções "até podem representar um perigo", afirma a presidente da organização.
"A atenção por parte de qualquer instituição estrangeira passou a ser perigosa para nós, por trabalharmos na esfera militar", sublinha.
A UCMSR deixou de poder recorrer a subsídios de instituições de outros países, por via da lei sobre agentes estrangeiros de 2013, e passou a pedir fundos presidenciais desde então e até 2018.
"Como somos uma organização grande, espalhada por todas as regiões do nosso vasto país, precisávamos de manter os contactos, pagar a internet, os telefones, as instalações, salários, organizar seminários e conferências... Cada um dos nossos comités possui uma rica experiência, é importante partilhá-la. Às vezes, recebemos uma queixa e não sabemos que caminho dar-lhe. Então, telefonamos a quem já deparou com uma situação semelhante. E há sempre alguém que nos indica o caminho, por se ter ocupado já de um caso como o que nos foi posto", disse à Lusa.
Melnikova rejubila-se por a organização a que preside ter sido a primeira "de estrutura horizontal", ou seja, "sem hierarquia, todos são iguais com direitos iguais".
"Este é um mérito reconhecido às primeiras mães entusiastas. Assim, ocupamo-nos de todos os problemas sociais, jurídicos, médicos... Por exemplo, a um jovem que sai do orfanato, por lei, a primeira coisa que as autoridades devem fazer é garantir-lhe um sítio para viver. Entretanto, telefona-nos um rapaz a queixar-se de que foi chamado para a inspecção militar, ainda sem ter recebido alojamento. Por conseguinte, envolvemo-nos a reparar essa violação da lei", exemplificou.
Até 2012, os resultados da organização "eram brilhantes", tanto que chegou a ser colocada a hipótese de dissolver a UCMSR, hipótese a que se oposuram parceiros: oficiais, procuradores e médicos.
"Dissolver, como? -- protestaram eles. Não podemos trabalhar sem a vossa ajuda, disseram. Então, reflectimos nós, se até aqueles lamentavam a eventual decisão, vamos continuar a trabalhar como até aqui", recorda Melnikova, que se depara hoje com o apagamento da sua organização da esfera pública russa.
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