Segunda volta das legislativas na Tunísia com participação como barómetro
Quase oito milhões de tunisinos estão inscritos para votar domingo na segunda volta das eleições legislativas, boicotadas novamente pela oposição, destinadas a eleger um parlamento com poderes limitados e em que a taxa de participação deverá manter-se muito baixa.
© FETHI BELAID/AFP via Getty Images
Mundo Tunísia
À segunda volta das legislativas -- na primeira, a 17 de dezembro de 2022, a abstenção ultrapassou os 90%, permitindo eleger apenas 30 deputados, todos afetos ao Presidente Kais Saied -- concorrem 262 candidatos para ocupar os restantes 131 dos 161 assentos parlamentares.
Trata-se de uma das últimas etapas do calendário definido por Saied para instaurar um sistema ultra presidencialista, objetivo final do Presidente que, em 2021, num "golpe de força", assumiu plenos poderes, dissolvendo o Governo e o parlamento.
A nova assembleia de 161 deputados substituirá a que Saied destituiu a 25 de julho de 2021, após meses de bloqueios políticos no sistema em vigor desde o derrube da ditadura de Zine el-Abidine Ben Ali, na primeira revolta da chamada Primavera Árabe (2011).
Se esta câmara (formalmente dissolvida em março de 2022) era um polo de poder com vastas prerrogativas, aquela que emergir das duas voltas das legislativas, será dotada de poderes muito limitados, sob um nova Constituição que Saied fez aprovar no verão passado num referendo também marcado por uma elevada abstenção (quase 70%).
"A primeira e a segunda volta foi e vai ser boicotada pela esmagadora maioria dos eleitores, que neste momento não tem confiança no Presidente nem na oposição, que continua a ser hegemonizada pelos islamistas. Além disso, há um risco crescente de que a Tunísia possa ir à falência e que haja um novo ciclo de instabilidade, enquanto muitos observadores falam na hipótese de um golpe de Estado nos próximos meses", alertou, na quarta-feira, à agência Lusa, o diretor do Programa para o Norte de África do International Group Crises (ICG), Riccardo Fabiani.
Para o novo parlamento, entre as várias limitações, será praticamente impossível derrubar o Governo através de uma moção de censura.
Além disso, qualquer projeto de lei deve ser apresentado por pelo menos 10 deputados e os textos apresentados pelo Presidente terão prioridade, sendo que o novo sistema uninominal substitui o de listas, o que reduz a influência dos partidos políticos, com candidatos sem filiação declarada.
Denunciando a concretização de um "golpe de Estado contra a Revolução" que permitiu a única verdadeira democracia no mundo árabe, quase todos os partidos políticos boicotaram a votação, entre eles o de inspiração islâmica Ennahdha, força política que durante 10 anos dominou o parlamento entretanto dissolvido.
Saied responsabiliza a crise política pela corrupção profundamente enraizada no sistema político-partidário na Tunísia, onde reinavam deputados "membros de redes de contrabando" e "sem preocupação pelas necessidades económicas e sociais do povo".
Além disso, Saied criticou o sistema eleitoral resultante da Constituição de 2014, após a revolução tunisina de 2011, considerando que foi elaborada "à medida" dos interesses de determinados grupos políticos.
O futuro parlamento, constituído pela Assembleia de Deputados, a serem eleitos domingo, e por um Conselho Nacional de Regiões (ainda por criar), também ficará praticamente impossibilitado de demitir o chefe de Estado, mesmo que este cometa uma falha jurídica ou judicialmente grave.
Citado pela agência noticiosa France-Presse (AFP), o analista político Hamadi Redissi, professor de Ciência Política na Universidade de Tunes e na de Nantes (França), frisa que o "desinteresse da população e o boicote da oposição" pela política criará um parlamento com "pouca legitimidade e será facilmente dominável" por Saied.
Na primeira volta, apenas votaram 11,22% dos eleitores, a maior abstenção desde a Revolução de 2011, que derrubou o ditador Ben Ali e marcou o advento da democracia, com os analistas a admitirem que a participação na votação de domingo seja praticamente igual à registada a 17 de dezembro de 2022.
A campanha da segunda volta, quase sem candidatos da oposição, foi branda e com poucos sinais eleitorais, surgindo cartazes dispersos com fotografias e nomes de candidatos praticamente desconhecidos do público e afetos a Saied.
Youssef Cherif, analista e diretor do Centro Global de Colúmbia (EUA), salientou também à AFP que, apesar do "descontentamento geral" alimentado por greves nos transportes e na educação, as manifestações não mobilizam multidões e "o 'status quo' pode continuar enquanto não se encontrar uma alternativa crível ao Presidente Saied".
A oposição, que tem em comum o boicote eleitoral e a exigência da demissão de Saied, está dividida em três blocos aparentemente irreconciliáveis: Frente de Salvação Nacional, coligação em torno do partido de inspiração islâmica Ennahdha, combatida pelo chefe de Estado, o Partido da Liberdade Constitucional (PLC), do advogado Abir Moussi, que reivindica o legado de Ben Ali, e os partidos de esquerda.
Outro impasse são as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), cruciais para um país muito endividado, para um empréstimo de quase 2.000 milhões de dólares (1.840 milhões de euros) que estão paradas há meses.
"Saied parece hesitar em aceitar os ditames do FMI para reformas dolorosas, como a suspensão dos subsídios aos produtos básicos e há uma flagrante discrepância entre as intempestivas declarações soberanistas do Presidente contra os organismos internacionais e o programa proposto ao FMI por Tunes", coincidem Cherif e Redissi.
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