Num evento na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unias (ONU) para marcar o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravatura e do Tráfico Transatlântico de Escravos, assinalado no sábado passado, Guterres recordou a história de "crueldade e barbárie" e "de injustiça colossal" que devastou o continente africano, "impedindo o seu desenvolvimento por séculos".
"O empreendimento maligno da escravatura durou mais de 400 anos. Foi a maior migração forçada sancionada legalmente na história da Humanidade. Milhões de crianças, mulheres e homens africanos foram sequestrados e traficados através do Atlântico, arrancados das suas famílias e terras natais -- as suas comunidades dilaceradas, os seus corpos mercantilizados, a sua humanidade negada", relembrou o líder da ONU.
"Ainda assim, o legado do comércio transatlântico de escravos persegue-nos até hoje. Podemos traçar uma linha reta desde a era da exploração colonial até às desigualdades sociais e económicas de hoje. As cicatrizes da escravatura ainda são visíveis nas persistentes disparidades de riqueza, rendimentos, saúde, educação e oportunidades", avaliou.
De acordo com o ex-primeiro-ministro português, a longa sombra da escravidão ainda paira sobre a vida dos afrodescendentes que carregam consigo o trauma transgeracional e que continuam a enfrentar a marginalização, a exclusão e o fanatismo, algo que é visível no "ódio da supremacia branca que ressurge hoje".
Nesse sentido, e com foco no poder da educação, Guterres pediu aos Governos de todo o mundo que introduzam conteúdos sobre a escravatura nos currículos escolares, colocando ao dispor dos Estados-membros o programa Relembrar a Escravidão das Nações Unidas e o projeto Rota do Escravo da UNESCO, para ajudar nessa tarefa.
"Devemos aprender e ensinar a terrível história da escravatura. Devemos aprender e ensinar a história de África e da diáspora africana, cujo povo enriqueceu as sociedades por onde passou e se destacou em todos os campos da atividade humana. E devemos aprender e ensinar as histórias de resistência e resiliência", frisou.
Perante a Assembleia-Geral da ONU, Guterres aproveitou para recordar figuras históricas que lutaram pela liberdade e contra a escravatura, como a "rainha Ana Nzinga do Ndongo, na atual Angola, cuja hábil diplomacia e vitórias militares frustraram as ambições coloniais de Portugal e que inspiraram movimentos de independência durante séculos".
"Ao ensinar a história da escravatura, ajudamos a proteger-nos contra os impulsos mais perversos da Humanidade. Ao estudar as suposições e crenças predominantes que permitiram que a prática florescesse por séculos, desvendamos o racismo do nosso tempo. E ao homenagear as vítimas da escravidão, restauramos em alguma medida a dignidade para aqueles que foram impiedosamente despojados dela", concluiu o secretário-geral da ONU.
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