RCA. Arcebispo de Bangui afirma que "muçulmanos e católicos estão juntos"
O conflito na República Centro-Africana (RCA) é entre políticos que querem o poder e não entre religiões, uma ideia instalada fora do país, afirmou o arcebispo de Bangui, membro da estrutura que tornou possível acordos de cessar-fogo.
© Reuters
"É importante dizer às pessoas que, na República Centro-Africana, os muçulmanos e os católicos estão juntos", afirmou em entrevista à Lusa esta quinta-feira o cardeal Dieudonné Nzapalainga, frisando que a ideia de que se trata de um conflito entre religiões "é o que as pessoas têm apresentado externamente".
"É uma ideia de fora, não é o que está acontecer no país. E nós que estamos lá, vemos", afirmou o cardeal, um dos líderes da Plataforma Inter-religiosa da RCA, juntamente com o líder da Comunidade Islâmica e o presidente da Aliança Evangélica do país, criada após a crise que se instalou em 2013 e cujo trabalho tornou possível chegar a acordos de cessar-fogo.
"Quando tivemos a rebelião, não havia um imã à cabeça, não havia um pastor. Nem depois. Eram políticos que queriam o poder", sustentou, acusando essas pessoas de tentarem "manipular e instrumentalizar a religião para fins políticos".
"Há quem puxe cordelinhos" tentando usar o que as pessoas têm de "ingénuas ou míopes" para que digam que sim, "que são os muçulmanos contra os cristãos e os cristãos contra os muçulmanos e arrastá-las para a sua busca de poder", mas, sublinhou: "Nós dissemos que não. A religião deve unir-nos, não dividir-nos", assegurou.
O diálogo, declarou à Lusa o cardeal, arcebispo de Bangui, "permitiu que os preconceitos caíssem (..) permitiu tirar as máscaras, valorizar-se, respeitar-se, estimar-se, construir agora um país onde o outro já não é inimigo, mas irmão".
Os sinais de avanço existem, considerou, mas é preciso manter sempre o diálogo, num país onde "as dificuldades vêm do facto de ser um país marcado pela pobreza, onde a insegurança se espalhou por todo o território".
"Diariamente, as pessoas são confrontadas com a miséria, a pobreza. A educação não funciona, as estradas ficam intransitáveis", descreveu Dieudonné Nzapalainga, referindo que ele é uma das poucas pessoas que consegue circular por todo o território e que leva a mensagem tanto ao Governo como aos rebeldes.
"Peço àqueles que pegaram em armas que possam depô-las e dialogar para procurar soluções por todos os meios, por todas as formas e meios, para que a República Centro-Africana se torne um país onde se pode viver", frisou, insistindo que é preciso incentivar esse diálogo.
Questionado se o antigo presidente François Bozizé, agora exilado em Bissau, deve participar nesse diálogo, respondeu que esteve com ele "antes de ele sair para formar essa rebelião, para novamente lhe dizer que tem um papel a desempenhar no país" mas pelo diálogo, em que participou muitas vezes antes.
"Ele escolheu o caminho da rebelião ou da reconquista, pela força, da paz (...) Está na Guiné-Bissau, já não está na República Centro-Africana. Não tenho contacto com ele", adiantou.
François Bozizé, 76 anos, chegou a Bissau no início de março, como avançou a Lusa, num voo oriundo do Chade, onde se encontrava desde 2021.
Segundo vários analistas, Bozizé estava a liderar, a partir do Chade, uma coligação de rebeldes que tentam derrubar o atual regime na RCA, liderado por Félix Archange Touadera.
O arcebispo de Bangui está em Portugal para participar no "III Mafra Dialogues", onde a organização intergovernamental KAICIID - Centro de Diálogo Internacional debate a importância do diálogo inter-religioso e intercultural no atual contexto geopolítico.
O cardeal Dieudinné Nzapalainda, como orador convidado, partilhou o exemplo concreto desse diálogo na construção da paz na República Centro-Africana.
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