Numa reunião informal do Conselho de Segurança da ONU, coorganizada pela Albânia, França e Estados Unidos (EUA) e copatrocinada por dezenas de países, incluindo Portugal, foram debatidas etapas concretas para a prevenção e responsabilização por sequestros e deportações de crianças em conflitos armados, com a guerra da Rússia na Ucrânia a dominar a maioria das intervenções.
Na reunião foram transmitidos depoimentos de crianças ucranianas que viviam na cidade de Kherson e que terão sido levadas por tropas russas, que as afastaram das suas famílias durante meses.
"Eles disseram-nos que tínhamos que falar russo, que precisávamos de esquecer o idioma ucraniano", disse um menino ucraniano.
"Queimaram uma bandeira ucraniana à nossa frente e disseram que os ucranianos eram nazis", relataram duas adolescentes de Kherson.
Entre os relatos difundidos no vídeo estavam o de agressões e de alimentação deficitária para essas crianças, que estiveram durante meses em campos russos até regressarem às suas famílias em março de 2023.
"Qualquer um pode distinguir a verdade da propaganda. Pedimos ao secretário-geral que investigue a fundo os casos de sequestros e deportações por parte das forças do Governo russo", apelou o embaixador da Albânia junto da ONU, Ferit Hoxha, que presidiu a sessão.
"O rapto de crianças em situações de conflito armado precede ou segue-se a outras violações graves contra crianças. Primeiro devemos tomar medidas urgentes focadas na prevenção e depois na responsabilização", defendeu.
Hoxha aproveitou para manifestar total apoio ao trabalho do Tribunal Penal Internacional (TPI), que em março emitiu um histórico mandado de detenção contra o Presidente russo, Vladimir Putin, e contra a comissária russa para a infância, Maria Lvova-Belova, pelo seu alegado envolvimento em sequestros de milhares crianças na Ucrânia.
Também o diplomata norte-americano Robert Wood focou a sua intervenção nas crianças ucranianas sequestradas pelas tropas russas, tendo apelado à comunidade internacional para que "não ignore a realidade de que esses abusos resultaram de decisões e ações tomadas em todos os níveis do Governo da Rússia: federal, regional e local".
"Devemos agir urgente e coletivamente para acabar com o sequestro e a deportação de crianças nos conflitos armados. Devemos a essas crianças a promoção da sua proteção, garantir a sua segurança e bem-estar e evitar que sejam submetidas a tratamentos brutais", concluiu.
Na reunião de hoje, o representante russo afirmou que o seu país não reconhece o TPI, advogando que se trata de uma ferramenta a serviço do ocidente.
"Para a Federação Russa, este organismo já não existe no mapa judicial internacional. Tornou-se uma ferramenta obediente que atende aos interesses dos países ocidentais. O TPI não tem jurisdição sobre a Federação Russa ou os seus cidadãos", disse o diplomata.
Os diplomatas também referiram que continuam a ser sequestradas crianças noutros conflitos armados em todo o mundo: pelo Boko Haram na Nigéria; pelo Exército de Libertação Nacional (ELN) e pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC); ou pelos Huthis no Iémen, entre outros.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou até agora a fuga de mais de 14,6 milhões de pessoas -- 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 8,1 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Pelo menos 18 milhões de ucranianos precisam de ajuda humanitária e 9,3 milhões necessitam de ajuda alimentar e alojamento.
A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.
A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 8.574 civis mortos e 14.441 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.
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