"É preciso que o mundo, os países da NATO e da União Europeia percebam que estamos perante a Terceira Guerra Mundial e que (a Ucrânia) não é um conflito regional nas franjas da Europa porque o que está em jogo é o futuro da Europa e o futuro do mundo", disse Medvedev, 57 anos, historiador e académico russo exilado desde 2020, autor do livro "The Return of the Russian Leviathan".
"Não se enganem. Isto (guerra na Ucrânia) não é uma guerra para a reposição do tempo imperial, não é uma guerra pós-colonial ou uma intervenção geopolítica, como muitas em todo o mundo. Para a Rússia, isto é - na verdade - uma guerra mundial. Pode ser difícil de entender em 2023, mas temos de perceber que na cabeça de Putin é a 'Terceira Guerra Mundial'", considerou o historiador e professor universitário em Praga e em Riga.
Para o historiador, Vladimir Putin está a preparar-se para este conflito há pelo menos 15 anos: desde o discurso da Conferência de Munique em que afirmou que a Rússia tinha sido "traída pelo Ocidente" por causa do alargamento da Aliança Atlântica.
A campanha iniciada pela Rússia em fevereiro de 2022 na Ucrânia é o pretexto ou uma "zona de preparação" porque, afirma, para Putin o objetivo da Rússia é o Ocidente.
"Trata-se da vontade de estabelecer uma nova ordem mundial. A Rússia sente que pertence ao grupo das grandes forças do mundo moderno e que foi expulsa da ordem mundial depois de 1991, depois do colapso da União Soviética, depois da queda de Berlim e do fim do Pacto de Varsóvia", disse.
Segundo o historiador - no pensamento de Putin - a Rússia tem de ser uma potência, a par do bloco europeu, Estados Unidos e República Popular da China e "deve ser um dos países determinantes na construção do mundo moderno".
Durante a conferência que decorreu no Clube Concordia, o historiador disse que Putin sabe que a Rússia não tem força económica nem um modelo social e económico forte nem poder militar mas, mesmo assim, a Rússia tem "o poder do medo, o poder do caos e o poder da destruição".
"A Rússia não tem capacidades para ajudar a construir o mundo mas tem capacidade para destruir o mundo, para espalhar as sementes do caos, para destruir oleodutos, para usar armas químicas, para destruir as comunicações, para iniciar 'guerras por procuração' capazes de atingir os mercados e a economia mundial e provocar o aumento da inflação", disse.
Assim, disse o académico russo, os desafios de 1945 podem ser "comparados" porque o "mundo" não resolveu totalmente os problemas colocados no final da Segunda Guerra Mundial.
"Temos de acabar com o trabalho, porque '1945' é um trabalho incompleto. Na época havia duas ditaduras totalitárias (nazi e soviética) e só uma foi derrotada (Alemanha nazi) e a outra sobreviveu, continuou e agora ressuscitou na forma tradicional", disse sublinhando que o "mundo" tem de derrotar a segunda ditadura, referindo-se à Rússia.
"Só depois podemos ter confiança em relação ao futuro", sublinhou.
Na conferência "Pode a História da Rússia explicar o contexto para o entendimento da invasão da Ucrânia ou a guerra representa outro fenómeno?" organizada pelo Clube de Imprensa de Viena Concordia, que a Lusa acompanhou por meios remotos, o académico disse ainda que a era pós-soviética terminou com a última invasão do território ucraniano e que um dos "males" da Rússia é a manutenção da capital em Moscovo.
"Se pensarmos no futuro temos de pensar numa Rússia pós-Moscovo, ou seja, a capital deve deixar de ser Moscovo. Esta é uma das raízes do mal. Moscovo é a a capital da Eurásia, não é uma capital europeia. É a capital do norte da Eurásia", disse Medvedev.
Sobre a capital russa, o historiador acrescentou que a Rússia é o único país moderno - com capacidades industriais e forças nucleares e membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas - que é governado a partir de um castelo medieval.
"O poder é exercido do Kremlin. Estão sentados num castelo do século XV e olham para o mundo a partir das ameias do castelo construído por motivos de defesa. Por isso, o poder tem de sair do Kremlin para ser colocado em qualquer outro lugar, na Rússia central (...) Já nem sequer a China é governada da Cidade Proibida", declarou.
Serguei Medvedev prepara a investigação "A War Made in Russia", que deverá ser editada pela Polity Press nos próximos meses, na Europa.
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