"A letra da lei não é assim tão importante: nunca faltou às autoridades [chinesas] base legal para atuarem. A questão foi sempre de vontade", salientou à agência Lusa o pesquisador do Centro para a China Paul Tsai, da Escola de Direito da Universidade de Yale, durante uma visita a Pequim.
A emenda à Lei de Contraespionagem, que entra em vigor a partir de 01 de julho, está a suscitar preocupação entre académicos, diplomatas, consultores ou jornalistas estrangeiros a residir no país asiático.
"Agora há claramente muito mais vontade em fazer cumprir a legislação e, por isso, sentimos que o ambiente está a apertar", notou.
A legislação vai passar a proibir a transferência de qualquer informação relacionada com a segurança nacional e alargar a definição de espionagem, à medida que o Presidente chinês, Xi Jinping, enfatiza a necessidade de construir uma "nova arquitetura de segurança".
Todos os "documentos, dados, material e itens relacionados com a segurança e interesses nacionais" vão passar a estar sob o mesmo grau de proteção que os segredos de Estado, de acordo com a emenda.
Daum realçou a linguagem vaga: "A lei é escrita com um nível tão abstrato que a aplicação seletiva não só é possível, como também é necessária".
"É parte inerente do seu desígnio", indicou.
Na China, o "papel dirigente" do Partido Comunista (PCC), que governa o país desde 1949, é um "princípio cardeal", estando o sistema judicial subordinado ao poder político. Noções como a separação de poderes e independência do sistema judiciário fazem parte da "ideologia errada" do Ocidente, que deve ser combatida.
A Lei de Contraespionagem foi promulgada em 2014, com ênfase na necessidade em proteger "segredos de Estado".
Jeremy Daum considerou que a emenda aprovada em abril não visa aproximar a legislação dos parâmetros de um Estado de Direito, mas antes torná-la ainda mais "imprecisa e flexível".
"Um ponto importante da emenda é: se se partilha algo que não está rotulado como segredo de Estado, mas que se devia saber que é um segredo de Estado, estás também sujeito a punição", explicou.
O especialista disse que outro ponto preocupante é que, de acordo com a emenda, não só é considerado espionagem "participar, ser agente ou aceitar tarefas, mas também alinhar com uma agência de espionagem".
"O que quer dizer 'alinhar com'? É um termo vago. Não é um termo legal", resumiu.
No mês passado, a polícia chinesa entrou nos escritórios de duas consultoras, a Bain & Co. e Capvision, e de uma empresa de diligência prévia, a Mintz Group. As autoridades não deram nenhuma explicação, afirmando apenas que as empresas estrangeiras são obrigadas a cumprir a lei.
As preocupações foram agravadas pela prisão nos últimos anos de cidadãos estrangeiros no país, sob acusações de espionagem ou de pôr em perigo a segurança nacional.
Governos estrangeiros descreveram os casos como sendo politicamente motivados e acusaram Pequim de negar acesso a advogados e realizar julgamentos à porta fechada.
Jeremy Daum receia que a legislação vá "dificultar ainda mais o contacto entre cidadãos chineses e estrangeiros".
"Mesmo que não seja esse o propósito: a falta de clareza atribui um ar de suspeição a qualquer contacto", notou.
"Sinto-me feliz, como investigador, que nesta visita, muitos dos meus velhos amigos chineses tenham mostrado grande disposição em reunir comigo. Mas, não sei o quão fácil vai ser fazer novos amigos", observou. "Existe agora um cálculo, uma análise de custo benefício, no contacto com estrangeiros".
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