Vindo das periferias, Jorge Mário Bergoglio, hoje com 86 anos, o primeiro Papa jesuíta da história da Igreja Católica, e que em Buenos Aires, na sua Argentina natal, tinha mostrado a sua faceta de preocupação com os mais desfavorecidos e marginalizados, chegou ao papado com a atitude de desprendimento que lhe está colada à pele.
Dispensou mordomias, não quis viver no Palácio Pontifício e instalou-se na Casa de Santa Marta, onde se alojam hóspedes do Vaticano. "Não posso viver sem pessoas. Não sirvo para monge. Por isso fiquei a viver aqui, nesta casa (...). Tornei-me padre para estar com pessoas", confessou o Papa Francisco, numa entrevista ao jornal argentino La Voz del Pueblo, em maio de 2015.
E esta vontade de estar com outros, vê-se quando se senta à mesa com quem quer que seja, onde quer que vá. "Já o vimos a almoçar com pessoas pobres na Sala Paulo VI, com os funcionários do Vaticano, com jovens em Cracóvia e em tantos outros lugares", como refere o italiano Roberto Alborghetti no livro "À mesa com Papa Francisco".
Além do "olhar para as periferias" e a preocupação permanente pelos mais desfavorecidos, o pontificado de um homem com a saúde fragilizada, tantas vezes conduzido em cadeira de rodas e que nos últimos meses necessitou de dois internamentos hospitalares, tem sido marcado, também, pela luta contra os escândalos dos abusos sexuais, a defesa do ambiente e da "casa comum", a par da reorganização da cúria e da abertura da discussão do caminho a seguir a todos os católicos ou a condenação dos conflitos que grassam no mundo, como a guerra na Ucrânia.
Logo em 2015, na encíclica "Laudato Si" (Louvado Sejas), Bergoglio assumiu uma das suas grandes causas, defendendo que os países ricos devem sacrificar algum do seu crescimento e libertar recursos necessários para os países mais pobres, num texto em que propôs uma revolução social, ambiental e económica.
"Chegou a hora de aceitar crescer menos em algumas partes do mundo, disponibilizando recursos para outras partes poderem crescer de forma saudável", escreveu o Papa na encíclica publicada em junho de 2015.
"Hoje, tudo o que é frágil, como o ambiente, está indefeso em relação aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta", escreveu Francisco, criticando um sistema económico que aposta na mecanização para reduzir custos de produção e faz com que "o ser humano se vire contra si próprio".
Cinco anos depois, numa nova encíclica, intitulada "Fratelli Tutti" (Todos Irmãos), dedicada à fraternidade e amizade social, Francisco criticou o reacendimento de populismos, racismo e discursos de ódio, lamentando a perda de "sentido social" e o retrocesso histórico que o mundo está a viver.
"A história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos", escreveu.
Identificou, então, o surgimento de "novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais" e associou discursos de ódio a regimes políticos populistas e a "abordagens económico-liberais", que defendem a necessidade de "evitar a todo o custo a chegada de pessoas migrantes".
Sobre o racismo, Francisco disse ser um "vírus que muda facilmente" e "está sempre à espreita", em "formas de nacionalismo fechado e violento, atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos".
Pelo meio, o combate aos abusos sexuais na Igreja Católica foi assumido por Francisco como uma das suas batalhas, o que o levou a convocar mesmo uma cimeira no Vaticano em fevereiro de 2019.
Perante os líderes de conferências episcopais de todo o mundo e responsáveis de institutos religiosos, Francisco apresentou passos para a luta contra os abusos de menores na Igreja católica, defendendo ter chegado a hora de "dar diretrizes uniformes para a igreja".
"Nenhum abuso deve jamais ser encoberto e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo", disse aos representantes da hierarquia religiosa e líderes de conferências episcopais reunidos em Roma.
Já antes, Francisco, perante situações de encobrimento de casos de abuso na Igreja defendera que "não se pode dar prioridade a qualquer tipo de considerações, sejam de que natureza forem, como por exemplo a vontade de evitar o escândalo, porque não há qualquer lugar, no ministério da Igreja, para quem abusa de menores".
As reformas na cúria e a renovação do colégio cardinalício, a escuta dos fiéis sobre o rumo que a Igreja deve prosseguir, estão a marcar também, de forma indelével, o pontificado de um Papa que vê na sinodalidade o rumo para uma Igreja de futuro.
Com o sínodo que culminará no Vaticano em outubro de 2024, o objetivo é saber como é que a Igreja está a fazer o "caminho em conjunto" no anúncio do Evangelho, tendo chamado, numa primeira fase, "todos os batizados" a darem opinião.
"Uma Igreja sinodal, ao anunciar o Evangelho, 'caminha em conjunto'. Como é que este 'caminho em conjunto' está a acontecer hoje" na Igrejas locais, foi uma das principais perguntas colocadas aos cristãos.
Na missa inaugural do sínodo, em outubro de 2021, o Papa defendeu uma igreja "não assética", mas sim apegada à realidade e aos seus problemas.
Em outubro deste ano, a Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, sobre o tema "Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão", vai decorrer com um número recorde de mulheres, além de que 70 membros com direito a voto não são bispos.
É mais uma novidade no pontificado de Francisco, o Papa que teve de conviver com a sombra do seu antecessor, Bento XVI (1927-2022), que renunciou em 2013 e ficou a viver no Mosteiro Mater Ecclesiae - localizado na Cidade do Vaticano - e que, muitas vezes, foi visto como o congregador das forças mais conservadoras na Igreja Católica em contraponto à ação do pontífice argentino.
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