Uso de bandeiras russas por golpistas africanos não está ligado a Moscovo
O uso de bandeiras da Rússia por apoiantes de golpes de Estado em África é mais um sinal de descontentamento contra antigos colonizadores como França do que um alinhamento com Moscovo, defendeu hoje a analista Ornella Moderan.
© Lusa
Mundo Analista
"Penso que existe um desconforto pós-colonial em torno da França nos países francófonos da África Ocidental e uma sensação de que a relação não foi redefinida da forma que deveria", afirmou, durante um debate em Londres organizado pelo centro de estudos Chatham House.
Imagens de manifestantes favoráveis aos golpes no Burkina Faso, em setembro de 2022, e no Niger, em agosto último, mostraram a bandeira de França a ser queimada e a serem exibidas bandeiras da Rússia.
A especialista em assuntos africanos afirmou ser "evidente que esta situação é manipulada por outros atores no âmbito da competição global entre grandes potências" e que a Rússia está a aproveitar a instabilidade em África através do grupo paramilitar Wagner.
"Estas são realidades que não se devem ao facto de um país como a Rússia encarnar realmente os valores que a maioria da população da África Ocidental defende, mas porque encarna o [sentimento] anti-França, porque encarna o anti-Ocidente", argumentou.
O Coordenador do programa regional para África no Centro de Serviços Regionais para África do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Jide Okeke, questionou este diagnóstico.
"Não chegaria a uma conclusão convincente de que existe, de facto, uma correlação positiva entre o que se vê por aí, pessoas a celebrar e a queimar bandeiras francesas, e um sentimento anti-francês ou pró-russo claro, sustentável e a longo prazo. Penso que é demasiado cedo para o dizer", afirmou.
Okeke e Moderan falavam durante um evento intitulado "Compreender os golpes de Estado e a renovação democrática em África", onde foram apresentados os resultados do estudo do PNUD "Soldados e cidadãos: Golpes militares e a necessidade de renovação democrática em África".
Desde 2020, recordou Okeke, o continente registou oito golpes de Estado militares, incluindo os mais recentes no Níger e no Gabão, e três tentativas, mas, desde os anos 1970, contabilizaram-se mais de 268 em todo o continente, com destaque para a África Ocidental, e em especial a região do Sahel.
Num inquérito a 8.000 africanos de oito países africanos onde ocorreram golpes ou transições geográficas, a maioria disse preferir a democracia e uma minoria afirmou explicitamente que preferia uma opção não democrática.
Além de fatores económicos e sociais, o estudo também concluiu que a cultura política em países com longas ditaduras militares torna os cidadãos mais tolerantes aos golpes.
"As sanções não são suficientes. As sanções não impedem necessariamente os golpistas de planear novos golpes", afirmou Okeke, que defende que é preciso ir mais além e apoiar as transições políticas para democracias lideradas por civis.
"Fizemo-lo nos casos do Mali e do Chade, e é necessário que comecem a pensar em como restaurar a ordem constitucional e manter a ordem constitucional" depois dos golpes de Estado militares, disse.
Este responsável do PNUD considerou que, no Sahel, "as intervenções militares são essenciais, mas não são suficientes".
"A intervenção no Sahel precisa de uma reconfiguração completa que privilegie os investimentos na governação, o reforço das instituições, a inclusão dos jovens nas negociações políticas, de forma a promover a estabilidade a médio e longo prazo", defendeu.
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