Caos na Europa. Vagas de refugiados dividem países e União Europeia
Itália tornou-se, sobretudo desde o início deste mês, destino de milhares de migrantes, o que trouxe caos aos portos de entrada, como a ilha de Lampedusa, mas também divergências crescentes na União Europeia.
© VINCENZO CIRCOSTA/AFP via Getty Images
Mundo Migrações
A chegada de migrantes à Europa em pequenas embarcações sobrelotadas constitui imagens impressionantes para todos, mas as razões para uns querem forçar a entrada na União Europeia e outros quererem restringi-la tem muitas explicações por detrás.
Eis algumas das respostas às perguntas mais frequentes sobre o cenário no Mediterrâneo.
Qual é o problema da migração no Mediterrâneo?
O Mediterrâneo, e especialmente a rota Central (que sai da Argélia, Tunísia e Líbia em direção a Itália e Malta) é o trajeto de migração mais mortal do mundo. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que, só este ano, já tenham morrido mais de 2.200 pessoas a tentar atravessar este mar. A maior parte -- mais de 2.000 -- morreram na rota do Mediterrâneo Central, um número que representa mais do dobro das mortes registadas no mesmo período do ano passado.
AS outras duas rotas são a do Mediterrâneo Oriental (que parte sobretudo da Turquia em direção à Grécia) e a Mediterrâneo Ocidental (de Marrocos para Espanha).
Segundo a OIM, mais de 17 mil pessoas morreram ou desapareceram nos últimos nove anos no Mediterrâneo Central, enquanto a rota Ocidental fez 2.300 mortos e a Oriental cerca de 1.700.
O número de deteções entre janeiro e junho subiu para quase 65.600, o valor mais elevado desde 2017 e quase 140% mais do que há um ano.
Porque é que há tantas mortes nas travessias?
A quantidade de pessoas que querem fugir de vários países de África (e não só, mas que partem do norte daquele continente) levou à multiplicação de traficantes, pessoas que recebem dinheiro para arranjarem um espaço em barcos que façam a travessia.
Os traficantes sobrecarregam barcos de pesca frágeis ou mesmo botes de borracha que não têm condições de navegar ou pelo menos de chegar ao destino.
A rota da Líbia é, há mais de uma década, considerada a mais perigosa, mas essa perceção está a mudar, sobretudo por causa de um novo tipo de embarcação adotado pelos traficantes da Tunísia desde outubro do ano passado: barcos de ferro.
Esses barcos são propensos a partirem-se e podem virar facilmente, afundando-se em poucos segundos.
Para piorar o cenário, a ajuda das autoridades demora a chegar e os grupos de ajuda passaram a estar sujeitos a autorizações lentas e processos judiciais, não podendo simplesmente desembarcar as pessoas no porto que estiver mais perto.
Porque se fala em nova crise de migrantes na Europa?
Nos primeiros seis meses deste ano, foram detetadas 132.370 mil pessoas a tentar entrar ilegalmente nas fronteiras da UE, o total mais elevado num primeiro semestre desde 2016 e mais 10% do que há um ano.
A Itália, em particular, registou um aumento significativo no número de migrantes: mais de 60.000 até agora, em comparação com menos de 27.000 no período homólogo do ano passado.
A OIM estima que o total de chegadas de migrantes por via marítima à Europa Mediterrânica seja superior a 82.000 este ano, em comparação com menos de 49.000 por esta altura do ano passado.
Com estes números, a Itália é hoje um destino tão ou mais procurado para entrar na UE como a Grécia, tradicional destino de quem parte do norte de África.
Muitos dos barcos de migrantes têm como destino a pequena ilha italiana de Lampedusa, que fica a meio caminho entre a Tunísia e a Sicília e agora há dois fluxos de migrantes a caminho de Lampedusa: os da Tunísia e os da Líbia.
Que resposta tem dado a Itália?
Endureceu a política anti-imigração e avisou a União Europeia que se trata de um problema de todos os parceiros.
Num ano que se está a revelar o mais mortífero desde 2017 nas águas do Mediterrâneo Central, o Governo liderado por Giorgia Meloni impôs dificuldades acrescidas às atividades das organizações humanitárias e já deteve alguns navios de resgate e salvamento.
O Governo, constituído por uma coligação de direita e extrema-direita, aprovou um prolongamento do tempo de retenção inicial dos migrantes, de 135 dias para 18 meses, até que seja decidido se têm direito a pedir asilo ou se serão repatriados, e ordenou a construção de novos centros para os albergar.
Estas medidas pretendem funcionar em combinação com um plano de combate ao tráfico, através de maior vigilância e de uma missão naval europeia para bloquear partidas, que já foi anunciada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante uma visita à ilha de Lampedusa.
Que medidas tomou a UE?
Na crise dos refugiados sírios, em 2015/16, a UE e os Estados-membros forneceram mais de 17 mil milhões de euros de ajuda àqueles que fugiam da guerra da Síria e quase 1,4 mil milhões de euros para melhorar as condições de vida de cerca de 1,5 milhões de sírios.
Além disso, a Comissão Europeia apresentou propostas para reformar o Sistema Europeu Comum de Asilo em 2016, incluindo uma reforma do Sistema de Dublin (lei da UE que determina qual o Estado responsável pela análise de uma candidatura de asilo).
Esta reforma determinava que o país onde o migrante chegasse era o encarregado de cuidar do seu pedido de proteção internacional, mas a regra ainda continua a ser controversa, já que os Estados com fronteiras externas se queixam de ficar sobrecarregados.
Em 2016, a UE celebrou um acordo com a Turquia para reter os migrantes nesse país em troca de seis mil milhões de euros de ajuda financeira.
A Turquia tem agora 3,5 milhões de refugiados e é o principal país anfitrião de refugiados no mundo.
Para responder à crise dos refugiados sírios, o Parlamento Europeu (PE) apelou também a um reforço da Frontex e a Comissão propôs transformá-la numa Agência Europeia da Guarda Costeira e de Fronteiras para reforçar a segurança.
Em fevereiro de 2022, quando a Ucrânia foi invadida pela Rússia, milhares de ucranianos fugiram do país, inicialmente para os países mais próximos, mas depois para toda a Europa. A UE concedeu um mecanismo de proteção temporária, que já existia há 20 anos mas nunca tinha sido posto em prática, e atualmente vivem na Europa cerca de quatro milhões de ucranianos sob esse mecanismo.
O que pretende Bruxelas fazer agora?
Apesar de o número de entradas ilegais na UE ter descido desde 2015, o Parlamento Europe quer reformar o sistema de asilo e reforçar a segurança das fronteiras, melhorando a migração laboral legal e promovendo a integração dos refugiados.
Em 2020, a Comissão propôs um novo Pacto sobre Migração e Asilo, que visa apoiar os países da linha da frente, introduzindo um novo sistema de contribuições flexíveis de outros países da EU para gastos que passam pela recolocação de requerentes e o regresso de pessoas sem direito de permanência. O novo sistema baseia-se na cooperação voluntária.
Como aumentou o número de refugiados que partiram da Tunísia para a Europa nos últimos meses, o PE e o Conselho chegaram a um acordo provisório para dar a esse país 105 milhões de euros, com vista a conter a migração ilegal, e 150 milhões de euros em apoio imediato, além de um empréstimo de longo prazo de 900 milhões de euros.
O acordo foi impulsionado sobretudo pela primeira-ministra italiana, que já defendeu a existência de memorandos de entendimento semelhantes com outros países do norte de África.
Na sua visita a Lampedusa, em 17 de setembro, Van der Leyen apresentou ainda um plano de ação de 10 pontos para enfrentar a migração irregular, que inclui uma possível nova missão naval da UE no Mediterrâneo, repatriamentos mais rápidos de pessoas cujos pedidos de asilo forem rejeitados e corredores humanitários para chegadas legais.
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