"Este ataque do Hamas altera substancialmente o conflito israelo-palestiniano", até porque "que Israel, desta vez, vai mesmo tentar fazer uma incursão terrestre em Gaza e vai, no mínimo, destruir a capacidade do Hamas de continuar a administrar o território", afirmou o diretor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa.
Apesar dos riscos -- já que "será precisar arranjar uma alternativa ao Hamas" para administrar o território -, Luís Tomé acredita que os israelitas "não se limitarão a bombardear infraestruturas e posições e vão tentar uma incursão terrestre".
O problema pode até alargar-se além da Faixa de Gaza, avisou o também responsável pelo Observatório de Relações Exteriores.
"Estou em crer que, dada a tensão que se vinha acumulando nos últimos dois ou três anos na Cisjordânia, é possível que haja alguma escalada de violência" para esse território, alertou.
"Por outro lado, vamos ver se o Hezbollah fará ataques que levem Israel a retaliar também, como já aconteceu contra o Hezbollah no Líbano", referiu Luís Tomé, acrescentado que há também o risco "de se poder assistir a algo de maior envergadura com o Irão", já que "todos sabem que o Irão é o grande patrocinador" do Hamas, do Hezbollah e também da Jihad islâmica.
Ainda assim, o investigador tem dúvidas de que a guerra possa alastrar-se a todo o Médio Oriente.
Apesar da "dificílima articulação" entre as grandes potências -- Estados Unidos, China e Rússia -- e até entre os países europeus, o analista sublinha que todos têm um interesse comum: evitar uma guerra regional.
"Há um outro interesse comum a todos, com exceção da Rússia: evitar o descambar da subida dos preços do petróleo", sublinhou.
A possibilidade do conflito escalar e "mexer com os recursos energéticos que existem em abundância nesta região e que fornecem alguns dos principais importadores de petróleo e também de gás, a começar por países europeus, mas também China, Índia e Japão" pode ter sérias consequências no futuro, adiantou.
Mas não só o alastramento a outras regiões que preocupa este investigador, que já foi assessor do Governo, do Parlamento Europeu e da NATO.
O prolongamento do conflito no tempo é também um dos seus receios.
Embora reconheça "a enorme assimetria" de meios entre o Estado de Israel e o grupo Hamas, o desfecho não é óbvio, considerou.
"Temos vários exemplos de o lado que é muito mais forte não conseguir atingir os objetivos num curto espaço de tempo", garantiu, lembrando exemplos como o do Afeganistão.
"A desproporção de meios era tremenda entre os Estados Unidos e os talibãs e na fase inicial, a assimetria foi muito rápida. Mas depois, passados 20 anos, os Estados Unidos tiveram que sair", lembrou.
Outro caso foi o do Iraque. "Nas primeiras semanas, a desproporção foi favorável obviamente aos Estados Unidos, mas depois [Washington] demorou muito tempo a tentar estabilizar e teve de passar o poder para os xiitas", referiu.
Por isso, uma incursão terrestre de Israel na Faixa de Gaza constitui um enorme risco para o Estado dito mais forte. Mas há outras razões
Uma incursão terrestre constitui "uma guerra que se trava em áreas urbanas, onde há muito apoio da população ao Hamas" e "onde [foram criados] muitos túneis", mas também porque o grupo "tem reféns a servir de escudo", descreveu o especialista.
"A gestão que se tem de fazer de reféns e da mortandade que pode causar [uma incursão de militares israelitas] naquele aglomerado tão pequeno - onde vive 2,3 milhões de pessoas - não é apenas entre soldados operacionais israelitas ou militantes do Hamas. É de população civil", explicou Luís Tomé, admitindo ser "fácil perceber a dimensão da tragédia que pode ocorrer".
E essa tragédia é, hoje em dia, vivida de outra forma pelo mundo.
"Um dos efeitos da chamada globalização é o efeito de assistirmos em direto a mortes em larga escala e portanto, a nossa perceção de certas ocorrências, tragédias, violência e conflitos noutros locais do planeta não nos podem ser indiferentes", referiu, sublinhando que "essa dimensão é relevante porque é uma das condicionantes da retaliação de Israel.
"Israel tem direito a legítima defesa, isso é compreendido pela maioria da comunidade internacional, mas só se for de forma proporcional. Se Israel provocar uma tragédia de larguíssima escala com muitos milhares de vítimas civis, deixa de lhe ser reconhecido esse direito" e perde o apoio da opinião pública internacional, concluiu.
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