'Revolução da Dignidade' Euromaidan agudizou relações com a Rússia

No rescaldo da 'Revolução da Dignidade' do inverno de 2013-2014, iniciada há 10 anos, a Ucrânia entrou num período de conflito latente e escalada de tensões com a Rússia, suavizadas temporariamente em 2019.

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© Sergei Supinsky/AFP via Getty Images

Lusa
21/11/2023 08:19 ‧ 21/11/2023 por Lusa

Mundo

Guerra na Ucrânia

O movimento de protesto em Maidan (praça em ucraniano) implicou a queda do presidente "pró-russo" Viktor Ianukovitch em 24 de fevereiro de 2014, que três meses antes tinha renunciado a um acordo de associação com a União Europeia. O país dividia-se entre este projeto de integração económica e uma alternativa proposta russa de união aduaneira.

De imediato, o presidente russo Vladimir Putin e o seu círculo do Kremlin equiparam o protesto massivo na praça central de Kyiv "a um pogrom" enquanto o chefe da diplomacia, Serguei Lavrov, denuncia interferências estrangeiras.

Apesar das manifestações, Ianukovitch persiste e assina um acordo com Moscovo que implica o fim das barreiras alfandegárias e um empréstimo russo de 14 mil milhões de euros.

Os confrontos não esmorecem, a violência agrava-se em fevereiro - entre os dias 18 e 21, um total de 90 mortos em Kyiv, manifestantes e polícias, segundo as autoridades -- e que implica a destituição de Ianukovitch pelo parlamento, que opta pelo exílio na Rússia.

Putin denuncia um "golpe de Estado" - nas barricadas de Maidan conviviam opositores "pró-europeus", mas também nacionalistas em particular do partido de extrema-direita Svoboda -, uma abordagem destinada a desacreditar um movimento manipulado por "potências ocidentais", e refere-se ao seu caráter nacionalista e perigoso. As chancelarias europeias e norte-americana eram acusadas de ter apoiado, e provocado, a revolta para favorecer a chegada ao poder de governos que pretendiam limitar a influência russa na região.

Com um governo interino em funções, Putin declara que a Rússia "se reserva no direito de recorrer a todas as opções disponíveis, incluindo a força como último recurso", enquanto logo em maio de 2014 eclodem confrontos entre militantes pró e antirrussos em várias cidades, incluindo Odessa ou Simferopol, a capital da Crimeia, maioritariamente russófona.

Com a sua base naval em Sebastopol e dois aeroportos militares em Kacha e Simferopol, a península nas margens do mar Negro é um território estratégico para a Rússia, que envia tropas e promove em 16 de março um referendo que vota massivamente pela integração na Rússia, considerado "ilegal" por Estados Unidos e União Europeia.

Esta decisão implica o endurecimento das relações de Moscovo com o ocidente, que se agravam logo em 07 de abril, com o início da guerra civil no Donbass, no leste ucraniano, também com maioria de população russófona.

Os separatistas, apoiados por Moscovo apesar de a Rússia negar envolvimento no conflito, organizam dois referendos em Donetsk e Lugansk em 11 de maio de 2014, com uma ampla vitória do "sim" à independência. A Ucrânia e os países ocidentais não reconhecem o resultado, ao contrário da Rússia.

A nível interno, e na sequência da proibição dos principais partidos "pró russos" -- que tinham dominado a vida política interna desde 2006 --, o ex-opositor Petro Poroshenko é eleito em 25 de maio Presidente da Ucrânia com 56% dos votos, com os resultados também reconhecidos por Moscovo. De imediato, anuncia um plano de paz e decreta um cessar-fogo unilateral em 20 de junho, com poucos efeitos nas zonas de combate, e após Kyiv ter desencadeado a sua operação "antiterrorista" e enviar para leste o seu Exército e milícias de extrema-direita.

A primeira grande iniciativa diplomática decorre quase de imediato, quando o Presidente francês François Hollande e a chanceler alemã Ângela Merkel se reúnem em 06 de junho com Putin e Poroshenko na Normandia (França) por ocasião do 70º aniversário do desembarque aliado.

Tinha início o "formato Normandia", encontros quadripartidos entre Alemanha, França, Rússia e Ucrânia. Em paralelo, a União Europeia decide assinar no final desse mês um acordo de associação económico e de comércio livre com Kyiv, de novo criticado por Moscovo.

No Donbass, o conflito persiste, sangrento e intenso. Em 17 de julho, o voo MH 17 da Malaysia Airlines é abatido no leste da Ucrânia, em território controlado pelos separatistas (298 mortos) e que implicará posteriores condenações por um tribunal holandês a prisão perpétua, mas à revelia, de dois russos e um ucraniano.

Em paralelo, o primeiro cessar-fogo entre as duas partes, negociado entre os dois campos na capital bielorrussa (Minsk I) em 05 de setembro, e com o Presidente Aleksander Lukashenko na função de anfitrião, implica uma redução dos combates, que no entanto prosseguem.

O semi fracasso do também designado "Protocolo de Minsk" impelirá as repúblicas populares secessionistas de promoverem eleições presidenciais e elegerem os seus lideres (Alexandre Zakhartchenko em Donetsk e Igor Plotniski em Lugansk), com a Ucrânia a denunciar uma violação dos acordos de Minsk e a Rússia a considerar que respeitam o acordado.

No final desse ano, e numa atitude de claro desafio a Moscovo, o parlamento ucraniano vota a favor de uma adesão à NATO, a principal "linha vermelha" há muito estabelecida pelo Kremlin. Lavrov reage e refere-se a um movimento "contraproducente" que "fornece a ilusão de permitir resolver a profunda crise interna que atravessa a Ucrânia" e que apenas "vai exacerbar o clima de confrontação".

O prosseguimento dos combates e dos bombardeamentos no leste do país implica uma nova reunião dos dirigentes da Rússia, Ucrânia, Alemanha e França, de novo na capital da Bielorrússia, para impor um novo cessar-fogo.

Para além desta medida, o acordo obtido em 12 de fevereiro de 2015 após uma maratona de negociações com Putin inclui a retirada das armas pesadas de cada lado, troca de prisioneiros, restauração das fronteiras ucranianas e retirada das tropas estrangeiras. Este "Minsk 2" também inclui uma vertente política que prevê a organização de eleições no quadro ucraniano e o reconhecimento de alguma autonomia para Donetsk e Lugansk.

Nos meses e anos que se seguem, o conflito fica congelado, com diversas cimeiras entre dirigentes europeus, russos e ucranianos em 2015 e 2016 sem resultados concretos. Nas regiões separatistas, e em finais do ano seguinte, o líder da autoproclamada República Popular de Lugansk (LNR), Igor Plotniski, demite-se após se refugiar em Moscovo (será substituído por Leonid Pasetchnik).

Alguns meses depois, em agosto de 2018, o seu homólogo da República Popular de Donetsk (DNR), Alexandre Zakhartchenko, é assassinado, com o separatista Denis Puchiline a assumir o cargo, dois acontecimentos interpretados por analistas como o reforço da influência de Moscovo nessas regiões.

Será ainda em finais de 2018, após três pequenos navios da Marinha ucraniana serem apresados pela Rússia e os seus 24 tripulantes detidos quando tentavam cruzar a ponte da Crimeia, no estreito de Kerch - inaugurada com pompa pela Rússia nesse mesmo ano --, que Poroshenko decreta a lei marcial por 30 dias nas regiões russófonas do leste. Mas o seu fim político estava próximo.

Leia Também: Albanese critica China por ação "pouco profissional" de navio de guerra

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