"Se Deus quiser, eu vou entrar para o curso de engenharia [civil ] e, se isso acontecer, eu posso ajudar outras pessoas que estão a sofrer (...) aqui está cheio de pessoas que estão a sofrer", desabafa à Lusa, em lágrimas, Fátima Simão, quando pensa nas milhares de famílias do interior de Nhamatanda, província de Sofala, que tudo perderam para o Idai, um ciclone de categoria três que se abateu sobre o centro de Moçambique em março de 2019.
Fátima, 22 anos, hoje está entre os voluntários da Fundação Tzu Chi que estão envolvidas na construção de cerca de 3 mil casas para pessoas afetadas pelo Idai na província de Sofala, um projeto financiado por aquela organização, mas, em março de 2019, quando o Idai chegou, a jovem também foi vítima.
O vento de cerca de 205 quilómetros por hora que invadiu Nhamatanda na noite de 04 de março arrancou o teto da casa de construção precária em que Fátima vive com a sua família e, apesar do choque para uma adolescente que presenciava pela primeira vez a "violência" de um ciclone intenso, foi a primeira a ir à rua para recolher o que restava do património da sua família.
"Quando a ventania parou um pouco, Fátima teve a coragem de correr atrás das nossas chapas de zinco. Eu disse a ela que isso era perigoso, mas ela disse que teria cuidado. Ela foi à rua, pegou nas chapas e ela começou a colocar na nossa casa, juntamente com a irmã. Ela reconstruiu a nossa casa", explica à Lusa Hortência Jorge, mãe da Fátima.
Hoje, quatro anos depois, Fátima continua a tentar reconstruir o que o Idai destruiu em Nhamatanda, um distrito localizado numa região que vive sempre sob o espetro de um eventual desastre natural.
Desde o Idai, em 2019, a região centro foi afetada por, pelo menos, mais dois ciclones, de menor intensidade.
"Eu quero reconstruir tudo que for destruído por estes fenómenos. Quero ajudar as tantas pessoas que estão a sofrer aqui", frisa a jovem, que também é estudante da 10.ª classe.
Como Fátima, há outras mulheres voluntárias da Fundação Tzu Chi em Nhamatanda que estão diariamente a "partir pedras" na reconstrução das casas para famílias que foram severamente afetadas pelo Idai.
São voluntárias movidas pelos princípios budistas difundidos pela fundação Tzu Chi, mulheres que, em alguns casos, deixaram as famílias em outros pontos de Moçambique para se juntarem à reconstrução da província de Sofala.
"Eu fiz uma promessa à "Master Cheng Yen" [fundadora budista da organização, do Taiwan] que eu dedicaria a minha vida para ajudar o próximo. E, por isso, vi a necessidade de vir para cá porque vi que esta região precisa de muita ajuda", declarou Maria Olinda, 44 anos, outra voluntária que deixou a família em Maputo para apoiar a reconstrução em Sofala.
As cerca de 3 mil casas financiadas pela fundação são destinadas às populações mais vulneráveis, numa região cujas construções devem ter sempre em conta a possibilidade de um eventual desastre natural.
"São casas feitas de forma diferente. Estamos a construir tendo em conta o risco de um eventual desastre", explicou à Lusa Ana Carlos, outra voluntária que está ligada à construção no interior de Nhamatanda.
O pacote de apoio à reconstrução, por parte daquela fundação, em Sofala, inclui, além das 3 mil casas, também a edificação de 23 escolas, com um financiamento total de 108 milhões de dólares (101 milhões de euros), inteiramente disponibilizados pela organização que está em Moçambique desde 2012, apoiando as autoridades em momentos de emergência.
"O processo de construção está dentro daquilo que é esperado. Infelizmente, como se trata de uma área específica que é a construção, algumas coisas não correram bem. Uma delas são os atrasos dos empreiteiros e a outra é o aumento dos preços dos materiais. Feliz ou infelizmente, nós não estamos nem a recuperar o IVA e, então, tudo que nós importamos pagamos direitos alfandegários. Portanto, de 70 milhões de dólares que era o orçamento definido em 2019 passamos para 108 milhões. Mas nós não vamos desistir, prometemos isso ao Governo moçambicano e vamos cumprir", declarou à Lusa Dino Foi, presidente da Tzu Chi.
Enquanto prosseguem os esforços para reconstrução do que foi devastado por um ciclone que chamou a atenção do mundo para a vulnerabilidade de Moçambique face às mudanças climáticas, o receio de um novo desastre natural no centro prevalece vivo, numa altura em que as Nações Unidas pedem que sejam tomadas de imediato "medidas espetaculares" para impedir um maior aquecimento global, quando o planeta caminha para os 2,9ºC de aquecimento.
Para impedir um aumento de 3°C das temperaturas no final do século, todos os países terão de reduzir emissões muito para além das promessas atuais, cortando 42% das emissões até 2030 se quiserem não ultrapassar os 1,5°C, uma meta assumida em 2015 no Acordo de Paris sobre redução de emissões, indica um relatório da ONU.
O relatório foi divulgado alguns dias antes do início de mais uma cimeira da ONU sobre o clima (COP28), que vai decorrer entre 30 de novembro e 12 de dezembro no Dubai, com a ambição de fazer o primeiro balanço global do Acordo de Paris.
Moçambique é considerado um dos países mais severamente afetados pelas alterações climáticas no mundo, enfrentando ciclicamente cheias e ciclones tropicais durante a época chuvosa, que decorre entre outubro e abril.
O período chuvoso de 2018/2019 foi dos mais severos de que há memória em Moçambique: 714 pessoas morreram, incluindo 648 vítimas dos ciclones Idai e Kenneth, dois dos maiores de sempre a atingir o país.
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