Num debate de nível ministerial do Conselho de Segurança da ONU, com foco na questão da Palestina, Guterres enfatizou que um fim duradouro do conflito israelo-palestiniano só pode acontecer através de uma solução de dois Estados.
"A ocupação israelita tem de acabar. A rejeição clara e repetida (...) à solução de dois Estados aos mais altos níveis do Governo israelita é inaceitável. E isto apesar dos apelos mais fortes até mesmo dos amigos de Israel, incluindo aqueles sentados à volta desta mesa", apontou o líder da ONU.
"Esta recusa, e a negação ao povo palestiniano do direito à condição de Estado, prolongaria indefinidamente um conflito que se tornou uma grande ameaça à paz e à segurança globais. Isso exacerbaria a polarização e encorajaria os extremistas em todo o mundo", avaliou ainda.
De acordo com o ex-primeiro-ministro português, o "direito do povo palestiniano" de construir o seu próprio Estado totalmente independente "deve ser reconhecido por todos".
"Qualquer recusa em aceitar a solução de dois Estados por qualquer parte deve ser firmemente rejeitada", sublinhou.
"Qual é a alternativa? Como seria uma solução de Estado único com um número tão grande de palestinianos no seu interior, sem qualquer sentido real de liberdade, direitos e dignidade? Isto seria inconcebível", reforçou Guterres.
Nos últimos dias, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tem insistido que os seus planos para o futuro da Faixa de Gaza após o hipotético fim da guerra com o Hamas passam por assumir o controlo total da segurança no enclave.
No sábado passado, Netanyhau indicou que reiterou junto do Presidente norte-americano, Joe Biden, essa sua oposição à "soberania palestiniana" na Faixa de Gaza, insistindo na exigência de segurança.
Na reunião de hoje, Guterres recordou que, nas últimas décadas, a solução de dois Estados foi muitas vezes "deixada moribunda", mas defendeu que a comunidade internacional tem um papel claro a desempenhar, apelando à união para apoiar israelitas e palestinianos na tomada de medidas concretas para avançar no processo de paz.
"É também a única forma de evitar ciclos intermináveis de medo, ódio e violência", disse.
O secretário-geral manifestou ainda "profunda preocupação" com os relatos sobre o "tratamento desumano" dado por Israel aos palestinianos detidos durante operações militares.
"Dezenas de palestinianos são presos diariamente. Mais de 6.000 palestinianos foram detidos desde 07 de outubro (data em que o grupo palestiniano Hamas atacou Israel), tendo muitos sido posteriormente libertados. A violência dos colonos também é outra grande preocupação. A demolição e confisco de casas e outras estruturas pertencentes a palestinianos continuam", lamentou.
A intervenção de Guterres foi seguida pela do ministro dos Negócios Estrangeiros palestiniano, Riad al Malki, que afirmou que Israel não pode ter qualquer poder de veto para admitir o Estado palestiniano como membro de pleno direito da ONU - tem agora apenas o estatuto de observador.
Al Malki lamentou que Israel não veja o povo palestiniano "como uma realidade empírica e política com a qual coexistir, mas como uma ameaça demográfica que deve ser eliminada através da morte, deslocamento ou subjugação". Contudo, alertou Israel para a "ilusão" de que poderia alcançar a paz enquanto segue com "a ocupação e o colonialismo".
Embora a ideia de dois Estados esteja agora no centro do debate, o embaixador israelita, Gilad Erdan, tomou a palavra e não fez a menor alusão à questão, optando por, em vez disso, atacar o Hamas e o Irão pelo seu alegado papel desestabilizador na região.
A reunião de hoje do Conselho de Segurança foi presidida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Stéphane Séjourné, que também se manifestou a favor da solução de dois Estados e alertou que "não cabe a Israel decidir o destino da população palestiniana em Gaza" ou onde devem viver nas suas terras, mas sim à Autoridade Palestiniana.
[Notícia atualizada às 21h08]
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