Muitos dos homens presentes no centro de recrutamento, na maioria trabalhadores qualificados da construção civil e operários, disseram que arriscariam ir para um país envolvido numa guerra, uma vez que estão a lutar para encontrar emprego na Índia, onde o desemprego continua elevado apesar de uma economia em expansão.
Anoop Singh, licenciado e trabalhador da construção civil, foi informado de que ganharia cerca de 1.600 dólares (1.470 euros) por mês se fosse selecionado para ir para Israel, significativamente mais do que os 360 a 420 dólares (330 a 385 euros) que poderia receber como salário mensal pelo mesmo trabalho na Índia.
"Foi por isso que me candidatei a ir para Israel", disse, enquanto esperava no centro de Lucknow, a capital do estado mais populoso da Índia, Uttar Pradesh, pela entrevista de emprego.
Os homens disseram que ouviram relatos da imprensa de que Israel está a enfrentar uma escassez de mão-de-obra depois de ter barrado dezenas de milhares de trabalhadores palestinianos na sequência do mortífero ataque do Hamas a Israel, a 07 de outubro, que desencadeou a guerra.
A Índia, onde o Produto Interno Bruto (PIB) é de cerca de 2.400 dólares anuais (2.200 euros) per capita, parece disposta a intervir para colmatar parte dessa lacuna.
Os estados de Haryana e Uttar Pradesh anunciaram cerca de 10.000 vagas cada um para trabalhadores da construção civil em Israel.
Uttar Pradesh finalizou uma lista de 16.000 trabalhadores para enviar a Israel no próximo mês para uma seleção final, disse o ministro do Trabalho do estado, Anil Rajbhar.
Rajbhar disse que o centro de triagem do Governo federal em Lucknow foi criado como resposta ao pedido de Israel por trabalhadores.
A campanha de recrutamento, com a duração de uma semana, teve início na terça-feira, com uma equipa israelita de 15 membros a supervisionar o processo e a esperar preencher mais de 5.000 postos de trabalho para pedreiros, carpinteiros e outros trabalhadores da construção civil em Israel.
A multidão presente hoje no centro de Lucknow estava simultaneamente ansiosa e esperançada. Muitos veem a possibilidade de trabalho em Israel como uma oportunidade única que pode mudar as suas vidas para melhor, mesmo que isso signifique trabalhar numa zona de guerra.
"Sei que há uma ameaça, mas também há problemas aqui", disse Anoop Singh, afirmando que estava disposto a correr riscos para poder dar mais à sua família.
"Estou a ir para lá pelos meus filhos", reforçou.
A campanha de recrutamento para Israel também está a revelar algumas lacunas na narrativa de crescimento da Índia, defendida pelo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que se concentrou no investimento em grandes projetos de infraestruturas para atrair empresas e investidores estrangeiros, segundo apontam as agências internacionais.
Por um lado, a grande economia indiana é uma das que regista um crescimento mais rápido a nível mundial e é vista como um ponto positivo no contexto da recente recessão mundial. Mas o desemprego continua a ser uma preocupação, uma vez que a Índia se tornou no ano passado o país mais populoso do mundo.
Depois de um aumento dos empregos assalariados nas últimas duas décadas, o ritmo dos empregos com salários regulares estagnou desde 2019 devido à pandemia de covid-19 e a um abrandamento geral do crescimento, segundo o relatório State of Working Índia, elaborado pela Universidade Azim Premji, citado pela agência Associated Press (AP).
O relatório afirma que, embora o desemprego esteja a diminuir, continua a ser elevado - mais de 15% para os licenciados de todas as idades e cerca de 42% para os licenciados com menos de 25 anos.
No ano passado, Nova Deli e Telavive assinaram um acordo que permitirá a 40.000 indianos trabalhar nos setores da construção e da enfermagem em Israel. De acordo com dados de 2022 do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Índia, existem cerca de 13.000 trabalhadores indianos em Israel.
Na semana passada, o porta-voz do ministério indiano, Randhir Jaiswal, lembrou que a parceria laboral entre a Índia e Israel começou antes da guerra em curso.
"Já temos um grande número de pessoas, especialmente no setor da prestação de cuidados em Israel e, através deste acordo, queremos garantir que a migração seja regulamentada e que os direitos das pessoas que vão para lá sejam protegidos", disse o porta-voz, acrescentando que a Índia está empenhada em garantir a segurança e a proteção dos seus trabalhadores migrantes.
Dados governamentais divulgados em 2023 indicam que há cerca de 13 milhões de indianos a trabalhar no estrangeiro, entre profissionais e especialistas.
Leia Também: Lagarde alerta que tensões no Médio Oriente constituem "risco"