Marlene Calix vivia há cinco anos no bairro de La Plaine, na capital haitiana de Port-au-Prince, quando se viu obrigada a fugir do seu bairro, devido aos conflitos entre gangues – que têm vindo a crescer, e, nos últimos três dias, deixaram a cidade em recolher obrigatório.
A mulher, de 35 anos, contou à NBC News que a primeira vez que os grupos armados invadiram o seu bairro esta se mudou para um outro, chamado Carrefour.
“Depois de algum tempo, as coisas pioraram em Carrefour, e os gangues tomaram conta da zona”, explicou, contando que regressaram ao bairro onde viviam, La Plaine, depois de ouvirem que as coisas tinham melhorado na zona – mas não foi bem assim.
“Quando regressámos, tudo estava terrível e foi devastador. O bairro estava destruído”, recordou, dizendo que as pessoas nem saíam de casa, vivendo trancadas nas suas casas devido ao medo.
“Tudo era perigoso. Às vezes, ficávamos em casa a olhar pela janela a ver se alguém ia às compras e perguntávamos-lhes se nos podiam trazer alguma coisa", referiu, explicando que entre o medo o companheirismo ainda reinava e que “os vizinhos se conheciam” acabavam por se entreajudar.
A situação piorou em outubro quando Calix estava na Igreja com a família e os gangues atacaram a zona ‘em peso’. Contando à imprensa norte-americana que os membros destes grupos ainda não tinham chegado à sua casa, Calix recorda que correu até lá para ir buscar um saco que já tinha preparado com documentação importante.
E foi aí que aí que ouviu tiros. “Agarrei nos meus filhos e vim-me embora. Todos corriam em direções diferentes. As casas estavam a ser incendiadas, mesmo a minha. Até hoje, não sei como sobrevivemos”, recordou.
De imediato, Calix fugiu da capital com os filhos, de seis e nove anos, e para trás ficou a casa incendiada, o bairro em que viveu durante anos – e o marido, que no momento da invasão estava a trabalhar. “Ele é vendedor de rua. Desde esse dia que não sei dele”, confessou.
A mulher fugiu para Cap-Haitien a cerca de 130 quilómetros da capital, e contou à imprensa como foi difícil chegar lá – algo que só conseguiu devido a boleias de estranhos. “Sem dinheiro, implorámos a muitas pessoas”, explicou, dizendo que as pessoas lhes davam também alguma comida – algo que Calix não teve tempo de levar.
Mas não só os pedidos de boleia foram difíceis, já que numa dessas viagens o carro onde seguia foi mesmo alvo de um assalto num posto de controlo, e homens armados “entraram e levaram tudo”. E também nessa situação imploraram aos homens para que não lhes fizessem mal, e os mesmos deixaram o carro seguir – ainda que tenham disparado após estes seguirem viagem, sem ser diretamente para o automóvel.
Até chegar a Cap-Haitien Calix e os filhos demoraram três dias, e ainda hoje ela pensa no marido, sem saber “se ele está vivo ou morto”. As crianças não têm ido à escola, porque, explica a mulher, ela não tem recursos financeiros para sustentar a sua educação – apesar de trabalhar esporadicamente a limpar roupa, tudo aquilo que amealha é para a sobrevivência.
Apesar das dificuldades e instabilidade, Calix tem a certeza de que voltar para a capital não é uma opção, dizendo mesmo: "E se não morrermos é porque Deus quis que sobrevivêssemos".
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