O ex-militar, de 49 anos, que já no final de 2022 tinha sido condenado à mesma pena, viu hoje a sentença ser reiterada pelo Tribunal de Paris pela sua participação em "atos desumanos de tortura e barbárie" contra civis em 1993-1994.
O antigo miliciano, nascido em 1974, recorreu e estava a ser julgado novamente desde 05 de março por uma série de abusos contra civis, incluindo a sua cumplicidade nas violações repetidas de duas adolescentes tornadas escravas sexuais por soldados sob o seu comando, e de ter alvejado uma mulher doente, atingindo-a na cabeça.
O julgamento realizou-se ao abrigo da "jurisdição universal" exercida pela França, sob certas condições, para julgar os crimes mais graves cometidos fora do seu território.
O Ministério Público tinha pedido, segunda-feira, a pena de prisão perpétua pelos factos de "uma gravidade excecional de que Kunti Kamara é responsável".
O antigo comandante foi detido na região de Paris em setembro de 2018, na sequência de uma queixa da organização não-governamental Civitas Maxima, que luta contra a impunidade.
Tal como aconteceu no julgamento em primeira instância, Kunti Kamara voltou a reclamar inocência, mas várias vítimas e testemunhas declararam que ele era, de facto, o "C.O Kundi" - ou seja, o "comandante" - que teria ajudado a levar o terror ao noroeste do país, nomeadamente ao condado de Lofa, que caiu nas mãos da Ulimo no início dos anos 1990.
"Um lugar esquecido num país esquecido", disse a procuradora Myriam Fillaud, recordando aos jurados a importância deste julgamento e da "luta contra a impunidade", ou seja, "garantir o Estado de Direito numa situação em que o Estado falhou".
Os crimes das guerras civis liberianas (1989-2003), que causaram a morte de 250 mil pessoas, nunca foram julgados na Libéria, onde os antigos líderes rebeldes ocupam atualmente altos cargos no aparelho de Estado.
A câmara baixa do parlamento liberiano aprovou no passado dia 05 de março uma proposta para a criação de um tribunal para julgar os crimes da guerra civil, uma exigências que as vítimas fazem há mais de vinte anos.
Após anos de quase inação, a adoção deste texto constitui um primeiro passo significativo para a criação de um tribunal encarregado de julgar os autores das violações dos direitos humanos e dos "crimes económicos" cometidos durante as duas guerras civis brutais que causaram a morte de cerca de 250 mil pessoas entre 1989 e 2003.
Apesar das pressões da sociedade civil e da comunidade internacional, a Libéria ainda não realizou qualquer julgamento relativo àquele período, marcado por uma série de abusos imputáveis a todas as partes: massacres de civis, canibalismo, tortura, violação, mutilação e recrutamento de crianças-soldado.
As guerras civis deixaram o país, um dos mais pobres do mundo, de rastos. Uma década depois, a Libéria foi devastada pela epidemia de Ébola.
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