Três dias após ter estado na Ucrânia, naquela que foi a sua primeira visita ao país desde a invasão russa iniciada em 2022, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, deslocou-se… até Moscovo, onde se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin. O objetivo? Uma "missão de paz".
Os rumores de que Orbán - conhecido como o único aliado da Rússia na União Europeia (UE) - iria visitar Moscovo começaram na quinta-feira, dias após o líder húngaro se ter encontrado com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, exortando-o a considerar um cessar-fogo como maneira de acelerar as negociações para um processo de paz com o Kremlin.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, foi das primeiras figuras do Ocidente a comentar a possível visita, alertando que a presidência húngara da UE, iniciada a 1 de julho, "não tem mandato para se envolver com a Rússia em nome" dos 27 Estados-membros.
Também o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, questionou o homólogo húngaro se tinha realmente intenções de visitar Moscovo, considerando que os "rumores não podem ser verdadeiros".
"Viktor Orbán, os rumores sobre a sua visita e Moscovo não podem ser verdadeiros, pois não?", questionou nas redes sociais.
The rumours about your visit to Moscow cannot be true @PM_ViktorOrban, or can they?
— Donald Tusk (@donaldtusk) July 4, 2024
Já esta sexta-feira, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, vincou que a deslocação de Orbán a Moscovo se "insere exclusivamente no quadro das relações bilaterais", acrescentando que o húngaro "não recebeu qualquer mandato do Conselho da UE".
.@PM_ViktorOrban visit to Moscow falls exclusively in the bilateral relations between Hungary & Russia. #EUCO positions on Russian war against Ukraine exclude official contacts between the EU & President Putin.
— Josep Borrell Fontelles (@JosepBorrellF) July 5, 2024
PM Orban is thus not representing the EU.https://t.co/0xPP1ZhNp8
Na mesma linha, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou o primeiro-ministro húngaro que "apaziguar Putin" não vai impedi-lo de prosseguir com a invasão ao território ucraniano.
"O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán está de visita a Moscovo. Apaziguar Putin não vai fazê-lo parar. Só unidade e determinação poderão abrir caminho para uma paz compreensiva, justa e duradoura na Ucrânia", disse nas redes sociais.
Hungarian @PM_ViktorOrban is visiting Moscow:
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) July 5, 2024
Appeasement will not stop Putin.
Only unity and determination will pave the path to a comprehensive, just and lasting peace in Ukraine.
Já Jens Stoltenberg, o secretário-geral cessante da NATO, da qual a Hungria faz parte, revelou que Orbán comunicou à Aliança Atlântica a visita a Moscovo, mas insistiu que o governante "não está a representar" os aliados, mas sim "o próprio país".
Por cá, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, afirmou que a posição da União Europeia quanto à Rússia "é clara", de pleno apoio à Ucrânia, e salientou que "não existe qualquer mandato para contactos com a Rússia em nome da UE".
"A posição da UE relativamente à Rússia é clara: pleno apoio à Ucrânia contra a guerra de agressão russa. Não existe qualquer mandato para contactos com a Rússia em nome da UE. A nossa unidade é a nossa força", escreveu o primeiro-ministro português na rede social X.
A posição da UE relativamente à Rússia é clara: pleno apoio à Ucrânia contra a guerra de agressão russa. Não existe qualquer mandato para contactos com a Rússia em nome da UE. A nossa unidade é a nossa força.
— Luís Montenegro (@LMontenegropm) July 5, 2024
Também os governos da Estónia, Suécia, Alemanha e República Checa criticaram a deslocação de Orbán à Rússia. Em publicações na rede social X, a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, futura chefe da diplomacia europeia, garantiu que Órban "de forma alguma representa Bruxelas ou as posições dos 27".
In Moscow, Viktor Orbán in no way represents the EU or the EU’s positions. He is exploiting the EU presidency position to sow confusion.
— Kaja Kallas (@kajakallas) July 5, 2024
The EU is united, clearly behind Ukraine and against Russian aggression.
Por seu lado, e além da "irresponsabilidade e deslealdade", o primeiro-ministro da Suécia, Ulf Kristersson corroborou as palavras de Kallas, criticando o facto de Orbán utilizar a presidência húngara da UE para visitar Moscovo.
Irresponsible and disloyal of Hungarian Prime Minister Viktor Orbán to use Hungary’s EU Presidency to visit Moscow and President Putin. It sends the wrong signal to the outside world and is an insult to the Ukrainian people’s fight for their freedom.
— SwedishPM (@SwedishPM) July 5, 2024
Viktor Orbán stands alone in…
Também para Olaf Scholz, chanceler alemão, Orbán desloca-se a Moscovo para se reunir com Putin "na qualidade de primeiro-ministro húngaro". Por sua vez, Petr Fiala, primeiro-ministro da República Checa, insistiu também nas mesmas palavras, considerando que Orbán não representa os interesses checos ou os da UE em Moscovo.
Afinal, o que faz Orbán em Moscovo?
Segundo o porta-voz do chefe de governo húngaro, Bertalan Havasi, a visita insere-se no âmbito de uma "missão de paz". Por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto, falou também numa "abordagem para alcançar a paz".
"Os últimos dois anos e meio mostraram que a guerra na nossa região não tem uma solução no campo de batalha", declarou o ministro húngaro, na rede social Facebook, que faz parte da delegação que se deslocou a Moscovo por iniciativa de Órban.
"É necessário, o mais rápido possível, um cessar-fogo e conversações de paz para acabar com o sofrimento humano. Esperamos que a reunião de hoje em Moscovo nos possa aproximar da paz", acrescentou.
Rússia e Ocidente? "As posições estão muito distantes"
Após se encontrar com o presidente russo, numa reunião à porta fechada que durou mais de duas horas e meia, Orbán reconheceu que as posições da Rússia e do Ocidente estão "muito distantes" sobre a guerra na Ucrânia.
"Queria ouvir e escutei a opinião de Putin (...) As posições estão muito distantes, é preciso dar muitos passos para chegar mais perto do fim da guerra, mas o passo mais importante foi o estabelecimento de contactos e vou continuar a trabalhar", afirmou Orbán em declarações à imprensa no âmbito da sua visita de surpresa à capital russa, que motivou críticas dos seus pares europeus.
Vladimir Putin voltou a descartar um cessar-fogo com a Ucrânia, alegando que ajudaria o "regime de Kyiv" a recuperar e preparar-se para contra-atacar, mas, de acordo com o político húngaro, "a Rússia é a favor do fim completo e definitivo do conflito".
Orbán e Putin já se tinham encontrado em Pequim
Orbán já se tinha encontrado com Putin depois do início da invasão russa. Em outubro de 2023, o primeiro-ministro húngaro participou num fórum em Pequim e encontrou-se com o presidente russo. Da reunião entre ambos saiu a reafirmação dos laços entre Budapeste e Moscovo, durante o período de maiores tensões ocidentais com a Rússia desde a Guerra Fria.
"Apesar das circunstâncias geopolíticas atuais limitarem o desenvolvimento de relações e as condições para oportunidades e contactos, é bom saber que as nossas relações com vários países europeus continuam e desenvolvem-se, e a Hungria é um desses países", disse Putin, na altura.
No entanto, o último encontro público entre ambos tinha sido a 1 e fevereiro de 2022, em Moscovo, três semanas antes do início da invasão.
Leia Também: Hungria justifica visita de Orbán a Moscovo: "Aproximar da paz"