"Tratou-se muito mais de uma consolidação do que de uma correção de rumo ou alteração de padrões antigos", disse Katja Drinhausen, investigadora no grupo de reflexão ("think tank") MERICS, com sede em Berlim, num debate 'online', na quinta-feira.
"O terceiro plenário reforçou efetivamente a visão de governação de Xi", vincou.
Em causa está um curso político que devolveu ao Partido Comunista Chinês controlo absoluto sobre a sociedade, ensino ou economia. O papel do setor estatal foi reforçado, enquanto a atuação do setor privado foi restringida e submetida aos planos estratégicos de Pequim.
"Por cada promessa em dar oportunidades ao setor privado segue-se uma referência à orientação do Partido e aos domínios delineados para as empresas colherem oportunidades", observou Drinhausen.
"Muito visível no documento está a criação de capacidades de segurança nacional e segurança pública. A necessidade de guiar a opinião pública e promover a identidade cultural, como forma de coesão social", acrescentou.
Observadores e investidores estrangeiros estiveram atentos para perceber se o terceiro plenário, que reuniu em Pequim, entre os dias 15 e 18 de julho, os 376 membros permanentes e rotativos do Comité Central do Partido Comunista, iria atribuir ao setor privado maior protagonismo na economia chinesa, num período de abrandamento económico, ditado por uma crise imobiliária e uma campanha regulatória no setor tecnológico, que resultou em multas recorde contra empresas.
Manoj Kewalramani, investigador no Instituto Takshashila, com sede em Bangalore, na Índia, observou também que o comunicado final sinalizou a primazia dos objetivos do Partido e a política em "primeiro lugar".
"Ao contrário de proporcionar um ambiente económico favorável às empresas e aos cidadãos, para que possam inovar e perseguir os seus próprios sonhos, o Partido [Comunista] continua a ser uma presença prepotente em todos os domínios", realçou. "Portanto, há uma enorme continuidade".
Na visão de Xi, o líder chinês mais forte das últimas décadas, a China deve converter-se numa potência industrial e tecnológica de nível mundial, com uma economia assente na produção de bens com valor acrescentado e alocação eficiente de recursos. Mas a aposta do lado da oferta para fomentar o crescimento agravou as relações comerciais com os Estados Unidos, União Europeia e países em desenvolvimento.
A Comissão Europeia adotou este mês taxas punitivas contra carros elétricos oriundos da China, seguindo taxas de 100% impostas pelos Estados Unidos. Também a Indonésia anunciou que planeia impor taxas alfandegárias de até 200% sobre vários produtos fabricados na China. Brasil e Turquia, entre outros países, têm em curso investigações 'antidumping' -- venda abaixo do custo de produção -- sobre produtos industriais e bens oriundos do país asiático.
"No que toca a medidas para estimular o consumo doméstico, o documento é bastante dececionante", observou Kewalramani.
"A deflação continua a ser um problema grave", apontou o investigador. "A confiança dos consumidores permanece fraca e isso é um grande desafio".
Segundo os analistas, Pequim pode assegurar um crescimento robusto e reduzir o desequilíbrio no comércio externo se incentivar o consumo pelos seus cidadãos, que têm das taxas de poupança mais altas do mundo, fruto de fracos mecanismos de proteção social.
Kewalramani ressalvou as referências no documento do Comité Central a alterações ao restrito sistema de residência das cidades, conhecido como 'hukou', que priva os trabalhadores migrantes de serviços básicos, como acesso à educação ou saúde pública.
"A eliminação das restrições que impedem as pessoas de aceder à segurança social nos locais onde trabalham mas não possuem 'hukou', permitir que as famílias dos trabalhadores migrantes tenham acesso à escolaridade e a outros serviços", exemplificou.
"Este tipo de medidas pode dar resposta a alguns dos desafios laborais e a alguns dos desafios de consumo", afirmou.
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