Evan Gershkovich passou 16 meses entre estar atrás das grades e do 'outro lado' do vidro, onde aparecia muitas vezes a sorrir para as câmaras - fosse para os colegas que tentaram contar a sua história ou para a sua vida passada como jornalista, algo que horas após ser libertado de uma prisão russa, continua a querer ver no seu futuro.
O jornalista do Wall Street Journal regressou na quarta-feira a casa, nos Estados Unidos, onde se reuniu com a sua família e o presidente dos Estados Unidos. Gershkovich foi um dos 16 prisioneiros que foram libertados pela Rússia e Bielorrússia naquela que se tornou a maior troca de prisioneiros desde a Guerra Fria.
Mas quem é este jornalista que passou de assinar peças num dos maiores jornais de referência a fazer parte da história? E como é que um 'estagiário' naquele que é um dos maiores jornais de referência mundial acaba detido numa prisão russa?
Gershkovich não era mesmo um estagiário. A sua carreira começou como assistente no The New York Times, antes de, em 2017, trabalhar para o jornal russo em língua inglesa The Moscow Times. Depois disso, Gershkovich passou para o jornalismo da agência France-Presse e ‘aterrou’ no Wall Street Journal em janeiro de 2022, semanas antes de a guerra na Ucrânia começou.
Nos meses seguintes, o jornalista escreveu mesmo sobre o tema: as mortes e o regime de Vladimir Putin. “Fazer reportagens sobre a Rússia é agora também uma prática regular de ver pessoas que conhecemos serem presas durante anos", escreveu na rede social X, então Twitter, cinco meses após o conflito começar.
A vida na prisão
O jornalista estava em Londres, mas ia várias vezes a Moscovo, até que no final de março de 2023, foi até Ecaterimburgo, e detido enquanto jantava num restaurante.
Segundo o que o Serviço Federal de Segurança (FSB) acusou-o de recolher informações sobre Uralvagonzavod, uma fábrica que faz tanques para serem usados na guerra na Ucrânia. Acusado de espionagem para os Estados Unidos e de recolher informações para a CIA, Gershkovich tornou-se um símbolo da imprensa livre. O Wall Street Journal defendeu-o e a Casa Branca garantiu que o jornalista não estava a fazer mais do que o seu trabalho, mas isso não impediu Moscovo de o condenar, há pouco mais de duas semanas, a 16 anos de prisão.
Filho de pais nascidos na Rússia – e daí saber a língua, apesar de a ter melhorado nos tempos que viveu em Moscovo -, Gershkovich está a caminho dos 33 anos. Mas durante este ano que passou em prisões russas, que fez este jornalista original da Nova Jérsia?
Segundo o que conta a Reuters, o jornalista, licenciado em Literatura e Filosofia, manteve a sanidade ocupado com as páginas que podia ler. Na prisão, leu clássicos russos como ‘A vida e o destino’, obra de Vasily Grossman que se passa na II Guerra Mundial.
Quando não estava na literatura russa, olhava para a televisão, onde a informação que passava já vinha com a filtragem do Kremlin, já que a televisão só passava canais estatais.
Gershkovich conseguia comunicar “regularmente” com o mundo externo, e pedia à sua chefe que lhe contasse a histórias da redação – nomeadamente, os mexericos entre colegas.
Amigos e colegas criaram mesmo em e-mail e reencaminharam as milhares de mensagens de simpatizantes e pessoas que queriam deixar-lhe uma palavra de apoio – Gershkovich tinha acesso a essa conta.
Um regresso... ao passado?
Tanto a comunidade internacional como a Casa Branca e o Wall Street Journal celebraram o regresso dos prisioneiros, entre os quais estava o jornalista. Quanto a Gershkovich, o jornal apontou que era "um dia de alegria" para todos e, depois de o prisioneiro estar em terra firme, o Wall Street Journal agradeceu ao governo dos Estados Unidos, e também à Alemanha, por "pôr fim ao pesadelo de Evan". Ao mesmo tempo, a imprensa condenou o regime de Putin, acusando de "orquestrar" a prisão do jornalista, revelando que o mesmo deixou um último pedido a Putin: entrevistá-lo.
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