Numa conferência de imprensa em Genebra, Suíça, relatores e especialistas da ONU, entre os quais a relatora especial sobre os direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados, Francesca Albanese, apontaram que apesar de o conflito estar a "desaparecer dos noticiários, a situação no terreno é catastrófica" e responsabilizaram a comunidade internacional por estar a permitir que Israel prossiga a sua política de "destruição total".
Os peritos da ONU manifestaram também "profunda preocupação" com os ataques de que têm sido alvo as próprias Nações Unidas, mas também o Tribunal Penal Internacional (TPI), sobretudo desde a emissão do mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, por países que se autoproclamam "campeões do Estado de direito".
Francesca Albanese descreveu a "situação catastrófica" com alguns dados -- entre os quais os mais de 44 mil mortos palestinianos, 70% dos quais mulheres e crianças, e as quase 90 mil crianças hospitalizadas "só nos últimos quatro meses" por subnutrição grave.
"Como chegámos aqui? Impunidade. Esta é a palavra-chave para perceber a escalada bárbara do genocídio israelita", declarou.
Segundo Albanese, "desde o seu nascimento que Israel não é sujeita aos mesmos padrões de exigência que a maior parte dos membros da comunidade internacional" e são já incontáveis as vezes que "tem desafiado resoluções da Assembleia-Geral e do Conselho de Segurança da ONU", decisões de tribunais internacionais, atacado instalações e pessoal das Nações Unidas, além de ter considerado 'persona non grata' vários responsáveis de organizações internacionais, incluindo ela própria "e até o secretário-geral da ONU", António Guterres.
"E tudo isto acontece sem que Israel sofra quaisquer consequências. Nunca há sanções contra Israel, o comércio continua e os laços diplomáticos permanecem intactos. Os Estados-membros parecem paralisados, muitos normalizaram a ocupação e a repressão do povo palestiniano. Parece que a comunidade internacional decidiu que este é o seu destino", deplorou.
De acordo com esta especialista em direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados, há que "travar as transferências, diretas ou indiretas, de armas para Israel", "acabar com o genocídio em curso", proceder a "uma revisão das credenciais de Israel para fazer parte das Nações Unidas" e pôr fim à ocupação ilegal dos territórios palestinianos.
Outra perita da ONU, Margaret Satterthwaite, relatora especial sobre a independência dos juízes e dos advogados, defendeu que "é altura de acabar com a política de dois pesos e duas medidas" na aplicação da justiça internacional, pois esta "existe ou não existe".
Satterthwaite afirmou-se chocada com "os ataques e ameaças que têm sido a juízes e procuradores independentes da mais alta instância judicial, criado pela comunidade internacional para punir os crimes mais graves" e "muito preocupada que muitos Estados tenham vindo a atacar verbalmente, em termos nunca antes escutados, o tribunal e os seus magistrados, acusando-os de antissemitismo e ameaçando com sanções altos funcionários do TPI".
A 26 de novembro passado, já mais de 40 relatores e especialistas em direitos humanos da ONU pediram à comunidade internacional que cumpra o mandado de prisão emitido pelo TPI contra o primeiro-ministro israelita e também contra o ex-ministro da Defesa israelita Yoav Gallant, recordando aos Estados a sua obrigação moral e legal de respeitar o direito internacional e de punir os crimes de guerra.
A Faixa de Gaza é cenário de conflito desde 07 de outubro de 2023, data em que Israel ali declarou uma guerra para "erradicar" o Hamas, horas depois de este movimento islamita ter realizado em território israelita um ataque de proporções sem precedentes, matando cerca de 1.200 pessoas, na maioria civis, e raptando mais de duas centenas.
A campanha militar de retaliação lançada por Israel matou pelo menos 44.786 pessoas na Faixa de Gaza, a maioria civis, de acordo com dados do Ministério da Saúde do governo do Hamas, considerados confiáveis pela ONU.
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