Segundo um comunicado divulgado hoje pelo Tribunal Supremo de Espanha, o juiz Ángel Hurtado, que tem a instrução do caso, convocou na qualidade de "investigados" três membros do Ministério Público, incluindo o procurador-geral, Álvaro García Ortiz, que prestará declarações no próximo dia 29.
O juiz justificou a convocatória por, após várias diligências no âmbito da investigação, considerar haver indícios de alegada "participação relevante" de Álvaro Garcia Ortiz nos delitos que estão em causa, nomeadamente, "a divulgação de uma informação reservada e confidencial que nunca deveria ter sido divulgada".
A justiça espanhola abriu em meados de outubro, pela primeira vez, um processo para investigar o procurador-geral do Estado, num caso que ganhou ainda mais repercussão mediática por envolver nomes ligados à política e ao Partido Popular (PP).
Em causa está a divulgação de informações, em março passado, sobre o companheiro da presidente do governo regional de Madrid, Isabel Díaz Ayuso (PP), um empresário acusado de crimes de fraude fiscal.
O procurador-geral do Estado está a ser investigado pelo possível envolvimento na filtração para meios de comunicação social de emails trocados entre o Ministério Público e a defesa do empresário, em que este reconhecia dois crimes e propunha um acordo para reparação das dívidas ao fisco.
Segundo o comunicado divulgado hoje, o juiz considera haver indícios de que os emails em causa saíram da Procuradoria-geral e tiveram como destino a Presidência do Governo espanhol, fazendo eco de uma suspeita que se adensou em dezembro, por causa de notícias relacionadas com o então líder da estrutura regional de Madrid do Partido Socialista espanhol, Juan Lobato, e de declarações deste dirigente político, que entretanto se demitiu por causa desta polémica.
Ainda segundo o comunicado do Tribunal Supremo, existe também a suspeita de ter sido a Presidência do Governo (chefiado pelo primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez) a enviar os emails confidenciais a um meio de comunicação que os publicou integralmente.
Quando foi aberta a investigação, Álvaro García Ortiz garantiu que não pretende demitir-se.
O chefe do Ministério Público não se pronunciou sobre os emails, mas assumiu a responsabilidade da divulgação de um comunicado da Procuradoria em que desmentia notícias de jornais e esclarecia que o empresário Alvaro Gonzalez Amador tinha proposto um acordo ao Estado e assim admitido que cometeu crimes.
Duas associações de procuradores, incluindo a que representa a maioria dos magistrados do Ministério Público, pediram a Álvaro García Ortiz para se demitir, considerando que "perdeu completamente a autoridade que deve ter o máximo responsável" da Procuradoria do Estado e que é a única forma de evitar um "dano reputacional" à carreira e à instituição.
Uma terceira associação considerou porém que está em causa a presunção de inocência e manifestou apoio à atuação do procurador-geral.
Álvaro García Ortiz disse em outubro que continuaria no cargo por estar convencido de que "é o menos gravoso e o mais prudente para a instituição [o Ministério Público] a médio e longo prazo".
O procurador disse-se "consciente da repercussão pública" da notícia de que é alvo de uma investigação judicial e afirmou que se mantinha no cargo "com pleno respeito pela lei e pelo Estado de Direito".
Realçando ser inédita a abertura de uma investigação ao procurador-geral, García Ortiz defendeu "uma profunda reflexão" sobre aquilo que a motivou e "as circunstâncias que a rodeiam".
O procurador lembrou que a lei espanhola atribui ao Ministério Público a função de informar sobre os assuntos relevantes que conhece para garantir o direito dos cidadãos a informação fidedigna, "mais ainda num caso como este, em que boatos ou falsidades comprometiam a imagem da instituição e de vários dos seus membros".
García Ortiz disse que ser formalmente alvo de investigação lhe permitirá exercer plenamente o direito à defesa.
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