Numa análise apresentada esta semana, a organização Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias conclui que a segunda presidência de Donald Trump terá um impacto global nas políticas migratórias de todo o mundo.
As promessas de reformas rigorosas para salvaguardar as fronteiras, aumentar as deportações e acabar com programas de proteção humanitária e de regularização de migrantes irregulares "pode desviar os fluxos migratórios dos Estados Unidos para a Europa e outras regiões" e "terá impacto no debate sobre a política migratória da Europa", refere o estudo.
A mudança de paradigma na Casa Branca (presidência norte-americana) deverá dar "um novo impulso aos europeus que defendem uma aplicação mais rigorosa das expulsões" e querem "mais pressão política sobre os países de origem e de trânsito", acrescenta.
Globalmente, o Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias, organização independente que faz análise e recomendações aos governos, considera que, este ano, há 10 grandes desafios globais no âmbito das migrações.
A começar pelas alterações esperadas nos Estados Unidos, mas focando-se nas mudanças que isso trará à Europa, o centro internacional considera que a União Europeia (UE) irá apostar mais em acordos com países vizinhos que permitam controlar as saídas de migrantes em direção à Europa em troca de cooperação económica.
Estas parcerias serão tanto mais apetecidas consoante a capacidade de a Casa Branca implementar as expulsões em larga escala anunciadas.
Uma segunda tendência será o foco da UE nos regressos dos migrantes, avalia o estudo, sublinhando que, até agora, esta política tem tido pouco sucesso: "Dados recentes indicam que apenas um em cada cinco nacionais de países terceiros a quem foi dada ordem de regresso o terá feito".
Segundo os analistas, a UE irá debater mais a externalização dos processos de migração e pedidos de asilo, mas também a introdução de reformas que permitam o reconhecimento mútuo das decisões de regresso, a digitalização dos processos, a definição de obrigações dos regressados, o aumento das opções de regresso voluntário e o alargamento do papel da Frontex (Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira) e da cooperação com países parceiros.
Apesar de a implementação do novo Pacto das Migrações (que entra em vigor em 2026) ser uma das preocupações da UE e dos seus Estados-membros este ano, a procura pela Europa de "soluções inovadoras" para a migração irregular é outro dos cenários-chave de 2025.
Os apelos a medidas adicionais para lidar com chegadas irregulares começaram logo quando o Pacto das Migrações foi aprovado, em 2024, e muitas das soluções inovadoras pedidas centram-se na externalização dos procedimentos de asilo e na criação de "centros de retorno" em países terceiros.
No entanto, alertam os investigadores, experiências de modelos de externalização, como o memorando Itália-Albânia, mostraram uma série de desafios legais, operacionais e políticos que podem dificultar o estabelecimento de novos centros em 2025.
Um quarto desafio da área das migrações para este ano são as incertezas nas políticas europeias referentes a migrantes irregulares e pedidos de asilo.
Se, por um lado, no ano passado, ocorreu uma redução dos números e uma clara mudança das rotas de migração para a Europa, indicando que as medidas migratórias recentemente introduzidas na UE tiveram impacto, por outro, as alterações numéricas "não são significativas para se poder dizer que houve uma mudança real na migração europeia", considera o estudo, adiantando que as causas profundas das deslocações mantêm-se, tanto a nível global como nas proximidades da Europa.
Ainda sobre as políticas migratórias da Europa, o centro internacional avisa que a tendência de aumentar as restrições deverá continuar em 2025.
Muitos países de destino de pessoas deslocadas e de fluxos migratórios irregulares implementaram, em 2024, medidas para dificultar o acesso físico aos seus territórios ou facilitar o repatriamento de pessoas sem documentos. Foi o caso da Finlândia e da Polónia, que expandiram as vedações e os muros nos seus territórios, mas também do Irão e da Turquia.
Tendo em conta que a nova administração dos Estados Unidos planeia retomar a construção do muro ao longo da fronteira com o México, é muito provável que os países que acreditam neste tipo de medida continuem a apostar e a reforçar estas barreiras, indica ainda a análise.
O mesmo se aplica em casos como os da Argélia, Líbia, Tunísia, Colômbia e Panamá, Irão e Paquistão, que adotaram programas de expulsão em grande escala em 2024 e pretendem continuar estas políticas em 2025.
O ritmo acelerado das deslocações de pessoas é também um cenário esperado para este ano, já que a tendência de expansão de conflitos, como na região do Sahel, ou as consequências geopolíticas de acontecimentos como a queda do regime sírio de Bashar al-Assad vai impulsionar muitas fugas para outras regiões.
A Síria é precisamente uma das preocupações do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias, que lembra que a mudança de regime já desencadeou um debate sobre o potencial fim do estatuto de proteção aos refugiados sírios e a necessidade do seu regresso a casa.
No entanto, "tais retornos só serão viáveis quando uma série de questões políticas, práticas e jurídicas tiverem sido resolvidas e quando a segurança e condições económicas no terreno melhorarem substancialmente", avisam os analistas.
Por isso, sublinham, "os governos devem preparar-se para uma situação de migração volátil e contínua, incluindo movimentos pendulares de e para a Síria, com regressos temporários e permanentes e mais deslocações".
Também a Ucrânia poderá mudar o cenário das migrações, sobretudo na Europa.
Com a ameaça de redução do apoio militar de Washington, o conflito poderá tomar vários rumos em 2025: "Guerra longa", "conflito congelado", "vitória ucraniana" ou "derrota" total, com consequente divisão do território.
Os especialistas preveem que a guerra provavelmente continuará como um conflito de desgaste ou que haverá um cessar-fogo temporário, provavelmente sem o regresso dos territórios ocupados à Ucrânia. Tanto um cenário como o outro terão impactos diretos nas deslocações, migrações e retornos na Ucrânia.
Um armistício poderia levar ao regresso a casa de entre 1,2 milhões e 2,1 milhões de ucranianos, mas uma ocupação russa completa poderia obrigar à fuga de mais de 10 milhões de pessoas.
Embora considerem que estes desenvolvimentos não são os mais prováveis, os analistas avisam que os governos devem preparar-se já que "caso o conflito na Ucrânia tomar um rumo negativo, os países europeus poderão voltar a enfrentar chegadas de refugiados em grande escala".
Independentemente da trajetória futura do conflito, a migração ucraniana será uma questão importante no debate europeu em 2025.
Até ao final de outubro de 2024, um total de 4,2 milhões de ucranianos estavam registados na UE como beneficiários de proteção temporária, incluindo mais de 620.000 novas autorizações, sugerindo um retorno significativo e migração pendular.
A integração no mercado de trabalho dos beneficiários ucranianos de proteção temporária registou um grande aumento, mas com o fim da proteção temporária a aproximar-se, em 2026, este ano terá de haver esforços adicionais para elaborar um plano de transição a longo prazo para toda a UE, refere a análise.
Os principais pontos de discussão podem incluir a transição dos beneficiários de proteção temporária para outros tipos de autorização de residência, formas de permitir a movimentação circular e programas de regresso voluntário ligados à reconstrução do país.
Por último, os analistas destacam o papel crescente e silencioso da migração laboral.
No ano passado, o debate público centrou-se menos na migração laboral, mas a sua importância tem crescido.
No ano passado, o número de autorizações de trabalho concedidas a cidadãos não comunitários cresceu 8,9%, as autorizações para trabalho sazonal aumentaram 22,6% e o número de cartões azuis da UE subiu 8,8%. Uma tendência que deverá manter-se em 2025, "mesmo perante uma potencial crise económica na UE".
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