Em entrevista à Lusa a uma semana de partir para a República Democrática do Congo (RDCongo), o tenente-general brasileiro assumiu que foi uma "honra" ser nomeado pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, para chefiar aquela que é uma das maiores operações de manutenção da paz do mundo, com cerca de 14 mil "capacetes-azuis", especialmente neste momento crítico do país africano.
"Para mim foi uma satisfação, uma honra, representar o Exército brasileiro, as Forças Armadas, e levar a bandeira do Brasil à maior missão de paz do mundo da atualidade. Vai ser uma missão difícil. Nós temos esse problema que estourou agora, que foi o ataque a Goma e a Sake, com os rebeldes do M23 a tomarem conta dessas cidades. Mas eu vejo [a nomeação] como um privilégio", refletiu o militar brasileiro, assegurando que se sente "muito seguro para cumprir essa missão".
Desde 1998, o leste da RDCongo, país que foi uma colónia belga e que é vizinho de Angola, está mergulhado num conflito alimentado por milícias rebeldes e pelo exército, apesar da presença da Monusco no terreno.
Após décadas de instabilidade no país, a atividade armada do Movimento 23 de Março (M23) recomeçou em novembro de 2021 com ataques relâmpagos contra as Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) na província de Kivu Norte (nordeste).
Desde então, o M23 avançou em várias frentes até à tomada, na segunda-feira, de Goma, a capital do Kivu Norte, que alberga organizações não-governamentais internacionais e instituições da ONU e que o grupo ocupou durante dez dias em 2012.
Tendo em conta a situação de grande instabilidade no terreno, Ulisses de Mesquita Gomes irá focar-se na proteção dos civis, defendendo que a solução para o conflito deverá ser "política".
"A minha missão principal é proteger civis, procurar estabilizar a situação para que a componente civil da ONU exerça o seu papel diplomático, porque eu vejo que a solução terá de ser política para tirar o M23 do país", disse.
O novo comandante das forças da Monusco, que tem 35 anos de experiência em resposta a crises, gestão de conflitos e manutenção da paz, confirmou à ONU estar pronto para embarcar para a RDCongo em 08 de fevereiro, data proposta pelas Nações Unidas.
Questionado pela Lusa sobre se tentará implementar uma nova estratégia militar para travar os avanços do M23, Mesquita Gomes indicou que só quando chegar ao teatro de operações é que conseguirá ter uma clara noção das capacidades da Monusco, assim como das Forças Armadas congolesas e outros organismos regionais.
O tenente-general poderá vir a realizar operações ofensivas com tropas que foram disponibilizadas por organismos parceiros africanos.
"Eu tenho um mandato robusto. A ONU tem três princípios: consenso das partes, imparcialidade, e o não uso da força, salvo em autodefesa ou defesa do mandato. Então, eu posso utilizar dessa forma. Porém, eu tenho um mandato para realizar operações ofensivas com tropas que foram disponibilizadas" por mecanismos africanos, lembrou.
Contudo, frisou que primeiramente terá de chegar ao país e fazer uma leitura das capacidades no terreno para, posteriormente, adotar uma estratégia, enfatizando a necessidade da uma solução política para retirar o M23 de Sake e Goma, e evitar o avanço para outras áreas geográficas.
De acordo com a ONU, o conflito na RDCongo tem sido alimentado pela exploração de recursos naturais.
A região é rica em ouro, coltan e outros minerais essenciais para a produção de telemóveis e baterias para veículos elétricos.
A representante especial do secretário-geral da ONU na RDCongo, Bintou Keita, disse que o M23 fatura cerca de 288 mil euros por mês com a sua comercialização.
"Há ali um contrabando de minérios e esses grupos armados fazem-se valer de apoio externo para tomar conta dessas áreas. Há também outras questões étnicas, que vêm do passado, mas eu acho que a grande causa é a busca ali pelo controlo das áreas ricas em minério", advogou, num olhar sobre os motivos do conflito.
Angola, uma das principais potências militares da região, mantém um papel de mediação no conflito, mandatado pela União Africana.
Uma mediação entre a RDCongo e o Ruanda sob a égide de Angola falhou em dezembro devido à falta de consenso sobre as condições de um acordo.
Para Ulisses de Mesquita Gomes, o Presidente angolano, João Lourenço, tem feito "um excelente trabalho, tentando reduzir as tensões".
Também o Conselho de Segurança da ONU manifestou na quinta-feira o seu "apoio inabalável" à mediação liderada por Angola.
"Creio que o processo de Luanda, que é liderado pelo Presidente [angolano], João Lourenço, é uma excelente solução. Ele está a conduzir muito bem. Acredito que a solução passa pelos mecanismos regionais, notadamente o processo de Luanda e o de Nairobi, que visa a entrega das armas pelos grupos armados, desmobilizando esses grupos. Creio que o processo de Luanda é importantíssimo para a solução desse conflito", defendeu.
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