Na quinta-feira, o Presidente panamiano, José Raul Mulino, disse aos jornalistas que a Embaixada do Panamá em Pequim deu à China o aviso prévio de 90 dias da decisão de não renovar o seu envolvimento na Iniciativa Faixa e Rota, um programa internacional de infraestruturas lançado pelo país asiático.
Em causa estão as preocupações de Washington com a influência da China sobre o Canal do Panamá.
As ameaças de Donald Trump de recuperar o controlo sobre o canal, nem que seja pela força, e a visita do secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, ao país, na sua primeira deslocação ao exterior, ilustram o peso da via comercial no novo discurso estratégico da Casa Branca, segundo analistas.
As empresas de Hong Kong Landbridge Group e a CK Hutchison Holdings operam atualmente portos em ambas as extremidades do canal. Esta presença suscita preocupações quanto à possibilidade de dupla utilização civil e militar e manobras estratégicas, face à presença cada vez mais profunda do país asiático na América Latina.
No ano passado, a China inaugurou a norte de Lima, no Peru, um gigantesco porto, que visa servir como centro logístico fundamental na região e um ponto de ligação crucial entre a América do Sul e o Indo-Pacífico.
O Canal do Panamá, que é crucial para o comércio entre a Ásia e os portos na costa leste das Américas, ganhou renovada importância face ao aumento dos custos de transporte, em parte devido às secas registadas em 2023 e no início de 2024, que restringiram o número de navios que podiam transitar por aquela via.
"Trump quer ao mesmo tempo contrariar o problema do aumento das taxas de trânsito e a influência crescente da China no hemisfério ocidental", escreveu num relatório o grupo de reflexão ('think tank') Atlantic Council.
"Embora as expressões abruptas e públicas de desagrado em relação ao Panamá e ao canal possam minar a estabilidade na região, as preocupações legítimas com a crescente influência chinesa sobre o canal exigem a atenção de Washington e justificam uma abordagem diplomática ponderada", acrescentou.
O canal é propriedade do Panamá desde 1999, altura em que os EUA transferiram o controlo ao abrigo de dois tratados, um dos quais era um tratado de neutralidade, que exigia que o canal se mantivesse em mãos neutras. O acordo ditou que, se tal não acontecesse, os EUA se reservavam ao direito de defender a infraestrutura por meios militares.
"Embora a China não controle diretamente o Canal do Panamá, continua a ter uma influência significativa tanto na entrada pelo lado do Pacífico como do Atlântico", descreveu o 'think tank' australiano The Strategist.
Mas os Estados Unidos exercem uma influência económica significativa sobre o Panamá e são o principal utilizador do canal e maior fonte de investimento direto estrangeiro no país.
Yanzhong Huang, membro do grupo de reflexão Council on Foreign Relations, com sede em Nova Iorque, escreveu que a decisão "significativa" do Panamá de sair do projeto chinês mostrou uma vitória inicial para a "diplomacia" da nova administração Trump, mas que não seria replicada facilmente.
Washington "parece estar a concentrar-se cada vez mais no seu quintal, a América Latina, e nos países que ainda precisam de apoio e comércio com os Estados Unidos", afirmou Huang. "Mas não estou certo de que os EUA possam forçar um país asiático, por exemplo, a fazer concessões semelhantes. É improvável, dado que a China já é o ator mais influente nessa região", explicou.
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