Em declarações à agência Lusa no final de uma conferência subordinada ao tema 'A Turquia entre a Europa e no Médio Oriente', promovida pelo Observatório do Mundo Islâmico (OMI), Mesut Oscan sublinhou que muitos estão a tentar ainda perceber qual é a prioridade de Trump.
"Há muitas incertezas, muitos pontos de interrogação, porque todos estão a tentar entender qual é sua prioridade, o que está na sua agenda", sublinhou Mesut, admitindo, porém, que "uma coisa está clara", que os Estados Unidos querem acabar com os conflitos (invasão russa da Ucrânia e entre Israel e o Hamas, na Palestina) para se poderem concentrar na China.
"Querem terminar as guerras e concentrar-se na China. O desafio chinês para eles é muito importante. Mas, para este ambiente, o papel de outros atores, como os países da UE [União Europeia], há muitos pontos de interrogação, e as pessoas estão a questionar qual será o papel de outros países, além da Rússia e dos Estados Unidos. Por esta razão, há muitas incertezas", afirmou.
Questionado pela Lusa sobre qual a posição oficial da Turquia sobre a ideia de Trump enviar os palestinianos para outros países vizinhos da Palestina para que se possa "reconstruir Gaza como a Riviera do Médio Oriente", Ozcan lembrou que Ancara "deixou já claro que é contra tal deslocamento".
Em relação à questão síria e respetivos impactos para Ancara com o fim da guerra civil e do regime ditatorial de Bashir al-Assad (exilado na Rússia), em dezembro passado, o presidente da Academia Diplomática turca saudou as "mudanças" em Damasco, salientando, porém, que "ainda há muitos desafios pela frente".
"Com a queda do regime, entramos agora numa outra fase e há muitos desafios pela frente. Por exemplo, o diálogo político entre os diferentes atores. Definitivamente, muitos outros grupos armados estão a ficar sob o controle do novo regime, mas o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e o PYD (Partido da União Democrática, aliado do PKK) ainda controlam algumas partes do país", afirmou Ozcan.
"Até onde consigo entender, há algumas conversas que estão a acontecer entre eles [Damasco e PKK e PYD]. Se não houver acordo, haverá derramamento de sangue. Definitivamente, não há dúvidas sobre isso. Alguns mediadores estão a tentar superar um cenário negativo para se resolver mais uma questão", sustentou,
Para Ozcan, há também o problema da destruição do país, pois tem de se levantar quase tudo do zero, desde o fornecimento de eletricidade e de água e outros serviços, e ainda a questão dos cerca de três milhões de refugiados sírios que se encontram na Turquia e que têm de ter condições para regressar ao seu país.
"Devemos construir uma economia viável para que possam pensar em voltar ao seu país. Também devemos considerar superar as pontes sociais criadas pelo conflito, pontes étnicas, religiosas e sectárias. Sem abordar essas lacunas e dificuldades sociais, podemos ter alguns outros problemas no futuro, como a desagregação", acrescentou.
Reconhecendo que se trata de um "processo muito lento, mas gradual", Oscan frisou que, atualmente, o lado positivo passa pelo facto de "todos estarem cansados da guerra".
"Todos estão cansados do conflito. Então as pessoas estão muito otimistas. Temos muitas pessoas vindas da Síria que querem dar uma possibilidade ao novo governo, para que supere esses desafios. Mas levará muito tempo e exigirá os esforços dos países regionais, mas ao mesmo tempo, atores como a UE", concluiu.
Na conferência, moderada pelo presidente executivo do OMI, João Henriques, o embaixador da Turquia em Lisboa, Haldun Koç, não fez qualquer referência ao atual cenário internacional e concentrou-se na vontade de reforçar a cooperação com Portugal, cujas trocas comerciais atingiram os 2.900 milhões de dólares (cerca de 2.780 milhões de euros) em 2024.
Lembrando que as relações de cooperação entre Portugal e o Império Otomano datam de 20 de março de 1843, assinado pelo sultão otomano e pela rainha D. Maria II, restauradas em 1926, Koç, em Lisboa desde abril de 2024, realçou que residem em Portugal cerca de 2.550 turcos e na Turquia 4.430 portugueses.
"Queremos maior cooperação entre os países dos dois extremos da Europa. Estamos a trabalhar para isso. Já temos 14 ligações aéreas semanais entre os dois países e até importámos José Mourinho (o treinador português que treina o Fenerbahçe). E até o Benfica tem dois jogadores turcos (Kokçu e Akturkoglu)", brincou o diplomata.
Koç lembrou também que a Turquia é há dez anos membro observador da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e que pretende desenvolver programas de estudo da linga turca em Portugal e de português na Turquia.
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