Oren Rosenblat foi nomeado embaixador de Israel em Portugal em dezembro do ano passado, assumindo funções depois de mais de um ano do conflito entre o Hamas e Israel, desencadeado pelo ataque de 7 de outubro de 2023.
Volvidos cerca de 17 meses do conflito, e numa altura em que as negociações entre Israel e o Hamas estão num impasse, o Notícias ao Minuto conversou com o embaixador para perceber qual o futuro do conflito.
Criticando o facto de se ter criado a ideia de que o cessar-fogo levaria ao fim da guerra, Oren Rosenblat lembrou que essa opção não está em cima da mesa e reforçou que existe apenas uma solução para acabar com a guerra no Médio Oriente: a libertação de todos os reféns e o fim do Hamas.
O embaixador recusa, ainda, as acusações de que Israel está a cometer um genocídio e garante que não há melhor forma de conduzir esta guerra se não como Israel está a fazê-lo. Lamentando a falta de apoio da comunidade internacional, reconheceu contudo que eleição de Donald Trump vem beneficiar o seu país e mudar a trajetória do conflito.
Existe em Portugal um conceito errado sobre a guerra, em que se está a alegar, desde o início deste cessar-fogo, que isto é o fim da guerra. Mas não é. Não é o fim da guerra. Não vamos aceitar uma situação em que o Hamas está a controlar Gaza
O acordo de cessar fogo entre Israel e o Hamas, que deveria entrar na sua 2.º fase está agora num impasse. O que está a originar esta situação?
Desde o início, e segundo estabelece um documento dos EUA, não existe uma ligação entre as duas fases do acordo. Existe uma primeira fase e existe uma segunda, sendo que só passaríamos para a segunda fase se houvesse um acordo. Nunca ficou decidido que acabaríamos a primeira fase e passaríamos automaticamente para a segunda. Tem de haver uma negociação para se seguir para a próxima fase.
O que é que Israel exige para que se passe para a segunda fase?
Queremos que aceitem a proposta americana. A proposta dos americanos, do enviado especial de Trump, Vitkov, propõe que para o período do Ramadão, que acontece até ao próximo mês, e da Pessah [Páscoa Judaica, uma das celebrações mais importantes de Israel], que será daqui a um mês, se entre numa fase especial em que serão libertados metade dos reféns israelitas e em que nós libertaríamos muitos terroristas. Nós aceitámos, mas o Hamas não.
O Hamas tem em sua posse 59 reféns. Não teme que ao adiar as negociações, o número de reféns mortos possa aumentar?
Claro, eles estão em perigo. Estão perante uma situação horrível. Estão a ser torturados todos os dias, não estão a ser alimentados. Ontem, o presidente Trump encontrou-se com Eli Sharabi, que foi refém em Gaza e tem conexões com Portugal, e quando foi libertado pesava 44 quilos. É inacreditável a forma como tratam os reféns. Estão a matá-los. Estamos muito preocupados.
Se o Hamas não aceitar o compromisso, Israel ameaça o regresso total à guerra e já ameaçou, inclusive, em recorrer a armas disponibilizadas por Donald Trump. A vitória de Trump nas eleições dos EUA veio dar um novo impulso a Israel e mudar a trajetória deste conflito?
Claro. Israel está muito mais forte agora. O presidente Trump está muito preocupado com a situação dos nossos reféns e já ordenou que o Hamas os libertasse. Há uma mudança na perspetiva dos americanos e é, sem dúvida, a favor dos reféns. O presidente Trump poderá ter um papel fundamental daqui em diante.
A segunda fase do acordo contemplava o fim da guerra e a retirada das forças de Israel do território de Gaza…
Não, não fala no fim da guerra. Nem na saída de Gaza. É apenas uma fase, a segunda fase, que se refere à libertação de reféns. Não ao fim da guerra.
Existe em Portugal um conceito errado sobre a guerra, que está a ser divulgado pelos media, em que se está a alegar, desde o início deste cessar-fogo, que isto é o fim da guerra. Mas não é. Não é o fim da guerra. Não vamos aceitar uma situação em que o Hamas está a controlar Gaza e estou muito feliz que o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel, tenha concordado com isto quando visitou o nosso país. O Hamas não pode controlar Gaza. Não vamos aceitar uma situação em que uma organização terrorista, que ameaça repetir o 7 de outubro vezes sem conta, esteja a controlar Gaza. Não vamos acabar com a guerra até que consigamos eliminar o Hamas, erradicá-los de vez.
E os civis que estão em Gaza? Que papel assumem? Estão a ser tidos em consideração nessa ameaça?
Claro que nos preocupamos com eles. Podíamos ter acabado com a guerra numa hora. Militarmente falando, isso não seria um problema. Mas agimos de acordo com o Direito Internacional Humanitário. Precisamos de conduzir a guerra de uma forma muito precisa, lenta, de forma a não matar civis e para não arriscar a vida dos nossos soldados, dos nossos filhos e filhas. Eu sei de situações em que os nossos militares foram mortos porque estávamos a agir de acordo com o direito internacional. Mas não temos alternativa. É por isso que a guerra é tão lenta e é por isso que rouba muitas vidas, mas tem de ser feita assim.
Um dos motivos pelos quais Israel tem pouco apoio neste conflito é pelo facto de, apesar de se saber que Israel foi atacado, sabe-se que existe um povo que também é vítima, o povo palestiniano. De que forma é que Israel pode prosseguir com o conflito sem ser visto como o mau da fita?
Não estou certo de que haja uma forma de conseguir fazer isso. Pela forma como o conflito se está a desenrolar, nós precisamos de destruir o Hamas. Eles estão a usar a população como um escudo humano, por isso precisamos de encontrar um modo de atingi-los. É claro que a população está a sofrer, há pessoas inocentes a sofrer e é muito triste, especialmente porque também existem crianças. Mas também é importante salientar que a maior parte da população de Gaza apoia o Hamas e concorda com o que eles estão a fazer. Não significa que tenham de sofrer, mas eles apoiam o Hamas.
Podíamos ter acabado com a guerra numa hora. Militarmente falando, isso não seria um problema. Assistimos no ultimo mês à libertação de vários reféns. Como foi para vocês assistir a estes momentos?
Foi um momento um pouco agridoce. Ficámos muito contentes por ver os reféns livres, mas muito tristes por constatarmos a forma como foram tratados e as condições em que estiveram e por percebermos que foram torturados. É difícil para nós ficarmos felizes e satisfeitos ao sabermos que os outros reféns ainda continuam sujeitos a estas condições. As famílias dos reféns, com certeza, estão muito felizes. As famílias e todos em Israel estão muito felizes, mas estamos muito consternados com a situação dos outros reféns.
Como se encontram os reféns libertados? Que traumas e histórias trazem consigo?
É um assunto privado e não estamos a falar sobre isso a menos que eles queiram falar. Por exemplo, Eli Shirabi fez uma grande entrevista na semana passada em que contou como foi torturado de uma forma inimaginável. Sabemos o que aconteceu com ele.
Acredita que houve encenação no processo de libertação? Houve uma tentativa de provocar?
Claro que houve provocação. É importante perceber que o Hamas é uma ditadura, e os portugueses têm experiência com ditaduras. E o que é mais importante para os ditadores é que as pessoas tenham medo deles. Eles têm que promover o medo, a brutalidade, mostrar o seu poder. É o que eles estão a fazer com os nossos reféns e isto é contra qualquer lei, qualquer dignidade humana, mas eles estão fazê-lo.
Assistimos às libertações, com a sensação de que até ao momento em que os reféns entram nos carros da Cruz Vermelha, qualquer coisa pode acontecer. Têm essa perceção?
Sim, eles podem fazer qualquer coisa. É um grande risco para todos. Mas também temos visto bravura. Uma das nossas reféns, uma mulher, numa das cerimónias fez um V de vitória, e eu pensei: “Que coragem”. Depois de tanta tortura, e mesmo sabendo que a sua liberdade está em causa, fez aquele sinal e foi incrível.
Nenhum refém foi bem tratado. Disseram-nos que nos dias antes da libertação, deram-lhes muita comidaTemos vistos reféns que parecem fisicamente saudáveis e outros muito mal nutridos. O que justifica esta diferença de tratamento?
Nenhum foi bem tratado. Disseram-nos que nos dias antes da libertação, eles deram-lhes muita comida. E a diferença é essa. Mesmo quando vemos alguém muito magro, antes disso ele esteve a ser alimentado.
Estavam ainda piores antes da libertação...
Sim, sim.
Entre os reféns encontravam-se luso-israelitas. Teve oportunidade de contactar com eles? Há da parte de algum deles o interesse em vir para Portugal?
Ainda está tudo muito fresco mas no futuro gostaríamos que viessem a Portugal e contassem as suas experiências.
Por cada refém israelita libertado, foram libertados centenas de prisioneiros palestinianos. É uma troca justa?
Claro que não. Isto é uma negociação e há sempre uma questão: poderíamos ter sido mais bem sucedidos? Podíamos ter libertado menos terroristas por cada refém?
Quem ganhou mais com esta negociação?
Não sabemos quem ganhou mais. Nós queremos que todos os reféns voltem para casa e estamos dispostos a pagar o preço, mas sabemos que isto é um risco.
Há dez anos, havia um soldado israelita, refém em Gaza, e libertámos 127 terroristas apenas por ele. Salvámos a vida dele, não foi mau. Mas sabemos agora que estes terroristas mataram seis israelitas. Portanto, no final, foi um mau acordo. Salvámos um e morreram seis.
E há mais, o mentor do Hamas do ataque de 7 de outubro também foi libertado numa destas trocas. Podemos dizer que dezenas de israelitas morreram por causa de um refém.
Familiares de reféns, como os de Shiri Bibas, acusam Netanyahu de não ter protegido os seus familiares no dia do ataque a 7 de outubro e de os ter abandonado já depois de terem sido tornados reféns. Podia ter sido feito mais para que o processo de libertação tivesse acontecido mais cedo?
Isto é algo que no futuro pode ser analisado, para se perceber se estivemos bem ou mal, o que é que o Governo poderia ter feito pelos reféns. Neste momento, o governo está a fazer aquilo que pode, mas não estamos certos de que a forma como negociámos foi perfeita. Ninguém pode dizer isso.
A família Bibas tem todo o direito de se manifestar. Foram atacados a 7 de outubro, é dever do governo defender os seus cidadãos, e falhámos nisso. E mesmo agora não estamos a conseguir libertar todos os reféns. É nossa responsabilidade consegui-lo.
Disse agora que Israel falhou e também o Exército de Israel chegou a assumir a sua culpa recentemente pelo ataque de 7 de outubro. De que forma poderia ter sido diferente, como é que o ataque podia ter sido evitado?
Podia ter sido evitado de muitas maneiras. Penso que o essencial é que nós pensamos como o Ocidente. Para nós, o mais importante são as nossas famílias e que elas tenham uma boa educação, um bom sistema de saúde, e que haja uma boa economia. E pensamos que as outras nações, que toda a gente, pensa da mesma maneira. Mas isso está errado. Há nações que têm outras prioridades. Em Gaza, por exemplo, a religião, o extremismo muçulmano, é muito mais importante que estes aspetos que referi. A religião é mais importante que a vida e eles estão dispostos a morrer para matar israelitas. E o termos pensado que todos pensam como nós fez com que nos deixássemos adormecer.
Oren Rosenblat
© Embaixada de Israel em Portugal
O que mudou naquele dia em Israel? E como se vive em Israel depois do ataque?
O nosso exército agora está em alerta por isso pensamos que a situação está melhor. Esta semana, o governo vai fazer regressar a casa todas as pessoas que estavam deslocadas no norte de Israel. São cerca de 63 mil pessoas que vão poder voltar às suas casas. A situação está mais calma.
Entretanto, até que um acordo seja estabelecido, Israel decidiu bloquear a chegada de ajuda humanitária a Gaza. O senhor embaixador chegou mesmo a dizer que a decisão não é grave porque há muitos “gordos” em Gaza. E os civis que aqui residem, como vivem?
Nos vários cessar-fogos houve uma grande quantidade de camiões que entraram na Faixa de Gaza, cerca de 25 mil camiões. Portanto, eles têm comida e suplementos suficientes para os próximos meses. Não há falta de comida em Gaza. Também tivemos a oportunidade de ver as condições em que vivem as pessoas me Gaza nestas cerimónias de libertação dos reféns. Todos eles estavam bem. Ninguém estava num estado terrível, ao contrario dos nossos reféns. Soubemos até que os nossos reféns eram obrigados a preparar refeições para terroristas palestinianos e não podiam comer aquilo que faziam. Só lhes era dado uma pequena porção de comida.
Portanto, como disse o nosso primeiro-ministro, o nosso ministro de Negócios Estrangeiros, "não há almoços grátis para terroristas". Se quiserem mais comida, terão que libertar os nosso reféns.
Israel foi acusado pelo Tribunal Internacional Penal de estar a cometer um genocídio na Faixa de Gaza. Não acha que com este tipo de ações dão azo a este tipo de acusações?
Fomos acusados pelo TPI de genocídio que não tem nada a ver a com o fornecimento de comida.
Quando pensamos em tribunal, pensamos nos tribunais em Israel ou em Portugal que têm juízes profissionais e tomam decisões sobre assuntos profissionais. Aqui é diferente. O TPI é um tribunal político em que as pessoas são eleitas pelos países das Nações Unidas e o facto de dizerem que Israel comete genocídio não é verdade, não aceitamos e os americanos também não aceitam [estas alegações] e já apresentaram sanções contra o TPI. Este tribunal deveria julgar pessoas que cometem crimes de guerra, que há muitos, mas decidiram focar-se em Israel. É uma decisão política. Não há genocídio em Gaza. Não há outra forma ou melhor forma de conduzir esta guerra, do que como nós estamos a fazê-lo.
Dou-lhe exemplo, em termos de rácio, estamos em 1 para 1, por cada terrorista que morre, infelizmente, um civil morre. Se virmos o exemplo da guerra em Mossul, no Iraque, dos Estados Unidos contra o ISIS, o rácio era de 4,5 civis por cada terrorista.
A nossa forma de conduzir a guerra é a melhor do mundo. Não temos alternativa, temos que lutar, temos que libertar os reféns, erradicar o Hamas e estamos a tentar fazê-lo de forma a que os civis sejam afetados o menos possível, mas não há alternativa há luta. Somos a única democracia a lutar um conflito deste género. E quando temos uma resposta tão negativa do Tribunal Internacional e de outros países, é triste. Devíamos ser apoiados por todas as democracias do mundo, pela forma como estamos a conduzir a guerra. Estou feliz que agora os americanos estejam do nosso lado.
Relativamente ao apoio internacional, há outra guerra a decorrer neste momento, entre a Rússia e a Ucrânia, e vemos que a comunidade internacional está muito envolvida nesta guerra. Porque não acontece com Israel?
Não nos podem comparar à Ucrânia porque estamos numa situação diferente. Nós somos independentes, conseguimos vencer as nossas guerras sozinhos. Em todas as nossas guerras nunca houve militares estrangeiros que lutaram ou morreram para proteger Israel. Conseguimos proteger-nos a nós próprios. Houve muitas discussões sobre a situação da Defesa da Europa, mas nós somos muito diferentes neste aspeto. Os nossos filhos e filhas estão a proteger-nos, nós fabricamos as nossas próprias armas, somos uma forte nação que sabe tomar conta de si própria.
Ou eles fogem ou vamos matá-los. Ou podem entregar-se. Não há outra forma de esta guerra chegar ao fim
Mas gostava que fosse diferente, que houvesse um maior apoio internacional?
Queremos. Queremos todo o apoio. Precisamos do apoio político, da ajuda dos americanos, queremos que nos enviam armas, que nos ajudem. Mas conseguimos fazer tudo sozinhos.
Assume funções em Portugal em dezembro de 2024, já com a guerra em curso. Como e quando é que gostaria de ver o fim deste conflito a acontecer? Espera ainda aqui estar quando isso acontecer?
O fim da guerra será quando tivermos todos os reféns do nossos lado e quando eliminarmos o Hamas. Antes disso, esta guerra não terá fim.
O pior ainda está para vir?
O 7 de outubro foi o pior. Não sei se o futuro será ainda pior. Pode ser que eles se rendam. Já aconteceu no passado. Em 1982, havia muitos terroristas palestiniano no Líbano, nós atacámo-los e no fim eles fugiram do Líbano, todos eles. Isso pode acontecer.
Ou eles fogem ou vamos matá-los. Ou podem entregar-se. Não há outra forma de esta guerra chegar ao fim sem que os terroristas do Hamas estejam em controlo de Gaza.
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