Em mais uma sessão da fase de instrução do processo judicial sobre as responsabilidades do incêndio de 2017 em Pedrógão Grande, que tem 13 arguidos, José Revés, que à data era administrador da Ascendi Pinhal Interior, Estradas do Pinhal Interior, com a responsabilidade pela Área de Operação e Manutenção, explicou que a empresa sempre cumpriu o que estava estipulado no contrato com o Estado.
"Aquando da intervenção da troika no nosso país houve uma renegociação do contrato de concessão com o Estado, em maio de 2013, o que obrigou a diminuir os serviços. Por isso, a faixa de gestão de combustível passou para exclusivamente três metros", afirmou José Revés ao juiz de instrução do Tribunal da Comarca de Leiria.
Segundo referiu, em abril de 2017, o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR realizou uma fiscalização à limpeza na estrada nacional 236-1. "Vimos essa informação no site da Câmara de Pedrógão Grande e não nos foi feito qualquer reparo", salientou.
O mesmo se passou nas reuniões que existiam com os extintos governadores civis e representantes da Proteção Civil. "Nunca houve qualquer referência ao comprimento da faixa de gestão de combustíveis que cumpríamos", afirmou.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, salientou que sempre cumpriu o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que foi aprovado em 2015 e está válido até 2020. "Apesar do saneamento financeiro a que a câmara estava sujeita e das dificuldades financeiras, houve sempre um esforço acrescido para fazer cumprir esse plano", disse.
Segundo o autarca, foi o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF) que delineou a calendarização das intervenções nas quatro freguesias: "Para a estrada municipal 521, estava prevista a limpeza só em 2019, talvez por considerar que não era tão perigosa".
Jorge Abreu garantiu ainda que a autarquia "foi mais além" e "periodicamente era feita a limpeza pelos serviços da câmara".
Aliás, sabendo que o concelho tem uma área florestal significativa, o presidente adquiriu um "limpa bermas" e reforçou "o acordo com os sapadores florestais, aumentando o valor em 25%".
Recordando o dia 17 de junho, o presidente adiantou que se registavam "temperaturas acima dos 40 graus", estavam "sem comunicações, via-se uma enorme coluna de fumo e o vento era grande".
"Os bombeiros não conseguiam chegar a todo o lado. Fui a casa das pessoas buscá-las. Só quem passou por aquilo é que sabe o que foi. Todos os anos há incêndios, mas aquele era humanamente impossível chegar a todo o lado", reforçou.
José António Barreiros, advogado de José Revés, afirmou aos jornalistas que foi cumprido o acordo "que estava contratualizado com o próprio Estado".
"Não houve nenhuma notificação da câmara municipal no sentido da existência de um plano que tivesse de ser acatado [pela Ascendi]", acrescentou.
"Também ficou muito claro, na sequência das negociações com a 'troika', que o próprio Estado aceitou que a metragem pudesse ficar em três metros. O Estado que hoje considera que não cortar dez metros põe em perigo as pessoas foi o mesmo Estado que para se render à 'troika' aceitou por bom o sistema que se cortaria apenas três metros", acusou.
Por seu lado, Ferreira da Silva, advogado de Jorge Abreu, insistiu que o seu cliente "cumpriu com todos os deveres que lhe estavam incumbidos" e lembrou que no seu concelho "não houve pessoas a morrerem queimadas", "por ser escrupuloso no exato cumprimento de todos os seus deveres".
O grande incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Escalos Fundeiros, concelho de Pedrógão Grande, e que alastrou depois a municípios vizinhos, nos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, e destruiu cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.
A fase da instrução prossegue no dia 11 de março, onde deverão estar os restantes arguidos, entre os quais o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, e o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes.