Com faixas vermelhas com as inscrições a negro "Espetáculo cruel, macabro, sádico", "Medo, Horror e Sangue" e "Terror, Dor, Sofrimento", os participantes naquela que foi a primeira manifestação antitaurina em Santarém exibiam ainda cartazes com frases como "dinheiro público em violência ornamentada não representa a evolução" e "a tourada sobrevive à custa de dinheiro público, mais de 16 milhões de euros anualmente".
A ideia partiu da escalabitana Ana Clara Luís, 42 anos, que decidiu juntar um grupo de pessoas através do Facebook, acabando por atrair participantes de outros pontos do país para uma manifestação "que é contra o abuso dos animais, que já não faz sentido neste século", e o uso de dinheiro dos impostos "em bilhetes de touradas".
"É uma monstruosidade e não faz sentido neste século", disse à Lusa.
Para Luís Martinho, a "gota de água" que o levou a juntar-se ao protesto foi o financiamento concedido por uma câmara "que saiu agora de um processo de falência" e pratica um dos IMI mais elevados do país, e que, "assim que teve uma folga financeira", preferiu dar "este sinal", atribuindo dinheiro "para um gosto pessoal".
"Não passa da cristalização de uma cultura em que nós não nos revemos, porque a evolução histórica ditará, mais cedo ou mais tarde, o fim das touradas. Apenas estamos do lado certo da história a dar um empurrãozinho, porque certamente sem dinheiro público ela não subsiste. Eles sabem perfeitamente disso e por isso é que esse financiamento é dado", disse.
A viver em Santarém "há pouco tempo", Ana Cristina Euleutério fez questão de participar porque "há muitas vozes na cidade que precisam de ter eco".
"Isto é um recado também para a Câmara", afirmou, salientando que as pessoas são hoje "mais críticas, têm mais voz, até nas redes sociais, sentem que podem manifestar-se" para que "o poder perceba que há que romper com os círculos viciosos do passado", que "há pessoas descontentes" e que a cidade tem "necessidades" que devem ser prioritárias.
"É isso que nos traz aqui, a par dos direitos dos animais, descontentamento com o nosso dinheiro a alimentar espetáculos deste tipo", declarou.
À passagem de uma avioneta com uma tarjeta onde se lia "Somos aficionados. Viva Portugal!", os manifestantes gritaram "com o meu dinheiro não".
O presidente da Câmara Municipal de Santarém, Ricardo Gonçalves (PSD), disse à Lusa que o facto de a praça de touros Celestino Graça estar cheia, com perto de 10.000 pessoas, revela que esta é "uma tradição muito enraizada".
Segundo o autarca, os bilhetes oferecidos pelo município representam menos do que 10% dos lugares da praça e os 20.000 euros atribuídos a três corridas (10.000 para a que se realiza hoje) inserem-se na política de apoio a manifestações culturais.
"Posso aceitar que haja quem não veja a tauromaquia como cultura ou arte. Nós vemos", disse, lamentando que "a tolerância esteja a deixar de existir em alguns aspetos, o que é uma pena".
Ricardo Gonçalves afirmou que também os espetáculos e a animação que está a decorrer desde sexta-feira no âmbito das Festas de S. José, até terça-feira, feriado municipal, têm o apoio do município e que o investimento feito nas corridas tem um retorno económico, pela quantidade de visitantes que atrai à cidade, onde acabam por almoçar e jantar.
"Aceito que haja quem não gosta. Tenho total tolerância, mas continuarei a apoiar as tradições em que a maioria se revê", declarou.
Colocados do outro lado da rua, em frente à praça de touros, e na presença de uma força policial discreta, os manifestantes gritaram palavras de ordem durante mais de uma hora, gerando alguns sinais de descontentamento entre as pessoas que iam entrando para o recinto, sem, contudo, se ter registado qualquer incidente.