É preciso recuar uns meses no tempo para perceber a decisão já polémica de um procurador-adjunto sobre uma queixa feita à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR).
A propósito do dia nacional do cigano, que se assinala no dia 24 de junho, o antropólogo e investigador José Pereira Bastos defendeu que Portugal devia pedir desculpa aos ciganos.
Uma declaração difundida pelos órgãos de comunicação social e que, partilhada nas redes sociais, motivou uma onda de reações e comentários.
Um deles foi: “Eu sou racista com ciganos e tenho orgulho de ser assim. Cigano[s] por mim eram todos abatidos… são parasitas, vivem dos nossos descontos, roubam são lhes oferecido casa sem nada fazerem para merecer”.
Ora, como dá hoje conta o jornal Público, o presidente da Associação de Solidariedade Social com a Comunidade Cigana e Minorias Étnicas do Médio Tejo, Almerindo Lima, apresentou uma denúncia na Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), o órgão especializado na prevenção e no combate à discriminação em razão da origem étnico-racial, a cor, a nacionalidade, a ascendência e o território de origem.
Considerando estar perante um crime, aquele órgão remeteu o processo para o Ministério Público, tendo sido o procurador-adjunto estagiário Pedro Sousa Ferreira a analisar o caso.
Na decisão, a que o mesmo jornal teve acesso, entende que “em abstrato”, as afirmações em causa “são susceptíveis de integrar o crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência”. Mas só mesmo em abstrato.
Traduzindo o crime por uma conduta que “consiste em provocar actos de violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religiosa ou em difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião”, ao procurador não lhe parece que a publicação em causa “seja apta a provocar actos de violência contra pessoas ou grupo de pessoas em função da sua raça”.
Mais: Também não lhe parece que haja “uma intenção específica” de incitar à violência ou ao ódio.
Quanto à frase específica - “cigano [s] por mim eram todos abatidos” -, na análise do procurador, é apenas a expressão da “opinião pessoal do seu emitente”.
Reconhecendo que o comentário possa ser “deselegante e rude”, o procurador entende que a afirmação se enquadra no “direito de liberdade de expressão, igualmente com dignidade constitucional”.
A decisão em causa já está a ter eco nas redes sociais. A deputada Isabel Moreira comentou: “Vergonha”. O também socialista Porfírio Silva escreveu nas redes sociais: “E uma pessoa pergunta-se que mundo é este”.
Ao Público, a Procuradoria-Geral da República informou que a “hierarquia do Ministério Público está a analisar a decisão tendo em visto um juízo sobre eventual reabertura oficiosa do inquérito”.