Nascido a 25 de maio de 1942, no Porto, José Mário Branco foi um renovador da música portuguesa, em particular a partir dos anos imediatamente anteriores à Revolução de Abril de 1974, e cujo trabalho se estendeu também ao cinema, ao teatro e à ação cultural.
Exilou-se em França, em 1963, depois de perseguido pela PIDE, a polícia política da ditadura, militante comunista que se opôs ao regime ditatorial de Salazar e a uma participação na guerra colonial, e só regressou a Portugal depois da Revolução de Abril.
Em França viveu intensamente os acontecimentos de 1968 e, 50 anos depois, em entrevista à agência Lusa, José Mário Branco recordava que, nesse tempo de exílio, percorreu o país para "divertir e dar força" aos trabalhadores que ocuparam escolas, fábricas, bairros e pracetas, com outros cantores portugueses e artistas franceses.
"E foi aí que eu e outros artistas portugueses começámos a sair da nossa concha de exilados, e conhecemos muitos artistas franceses e de outras nacionalidades. E daí surgiram algumas afinidades artísticas", relembrou o músico, citando por exemplo a criação da cooperativa artística Groupe Organon, com quem chegou a gravar.
Nos anos 1980 editou um dos mais célebres registos, "FMI", um monólogo com cerca de vinte minutos gravado no Teatro Aberto, em 1982, no qual, acompanhado por guitarra acústica e flauta, recita e canta um texto que compôs "de rajada", numa noite de fevereiro de 1979.
"Assumo inteiramente aquilo tudo, mas felizmente não estou no estado em que estava na altura, amadureci. Tenho a mesma atitude radical e orgânica, mas é uma emoção mais serena", afirmou o autor à agência Lusa, recordando que estava a viver em casa do irmão em Lisboa, quando compôs o tema.
"Tinha acabado de ser corrido do Teatro da Comuna e vivia-se ainda um refluxo do PREC", disse.
Sobre a atuação, em 1982, recorda-se de ter posto alguns dos espectadores a chorar. "As pessoas ficaram muito tocadas com aquilo, passaram o mesmo processo que eu ao escrever, que começo com um tom irónico e vou endurecendo e ficando apanhado pelo próprio texto", refere.
"Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto", dizia o cantor no fecho da interpretação de "FMI".
Em 2017, José Mário Branco assinalou 50 anos de carreira, contados a partir da gravação, em 1967, do primeiro EP, "Seis Cantigas de Amigo". O primeiro álbum, "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades", foi lançado ainda no exílio, em 1971, assim como o seguinte, "Margem de Certa Maneira", em 1973.
"A Mãe" (1978), "Ser solid(t)ário" (1982), "A Noite" (1985), "José Mário Branco ao Vivo" (1997) são álbuns que surgem nos anos seguintes, a par de outros projetos, da produção à composição.
Quando em 2018 lançou um duplo com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999, José Mário Branco contou à Lusa: "Tem aí primeiras faixas a seguir às 'cantigas de amigo', que é um single da 'Ronda do Soldadinho'. Foi um disco militante, foi um disco clandestino. Claro que tinha de ser feito com pouco dinheiro, gravado em coisas que não eram bem estúdios, eram garagens onde havia gravadores, eram coisas muito rudimentares".
Na mesma entrevista, José Mário Branco disse que não dava importância nenhuma a efemérides e celebrações de datas redondas, assinaladas também pela Feira do Livro do Porto, onde foi homenageado.
"Não são coisas que me motivem muito, tenho respeito pelo respeito das pessoas, mas essas histórias das efemérides...", afirmou.
O último álbum de originais, "Resistir é Vencer", data já de 2004, mas manteve-se sempre militantemente ativo e colaborativo com outros artistas.
Participou no projecto "Três Cantos", ao lado de Sérgio Godinho e Fausto Bordalo Dias. Em 2007 participou no espectáculo "Canções pelo Iraque", contra a invasão norte-americana do Iraque, ao lado de nomes como Jorge Palma, Paulo de Carvalho, Pedro Abrunhosa e Carlão.
"Sempre fiz poucos discos por causa dessa polivalência. Gosto muito de trabalhar para os outros. Não me sinto menos interessado por não ser eu a cantar", disse.
Nos últimos anos, resistia a espectáculos, porque se sentia "um bocado museológico em cima do palco", para "cantar as coisas do costume com as pessoas a acenderem isqueiros e telemóveis e abanar o capacete com as canções que têm vinte ou trinta anos".
José Mário Branco, que cresceu entre o Porto e Leça da Palmeira, tinha formação em História e Linguística, foi fundador do GAC - Grupo de Acção Cultural, fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo, a União Portuguesa de Artistas e Variedades e foi por duas vezes distinguido com o Prémio José Afonso.