O general Marco Serronha, atual Chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares, foi durante 14 meses o segundo comandante da força militar da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA).
O general português explicou que três helicópteros de ataque do Senegal atuavam em conjunto com a Força de Reação Rápida portuguesa na RCA, ao serviço da MINUSCA. Contudo, um deles despenhou-se em outubro causando a morte de quatro tripulantes.
"Os outros dois helicópteros já estavam com problemas e o Senegal neste momento não está a conduzir operações e, provavelmente, pode até retirar o seu contingente. Esta poderá ser uma falha que a ONU vai ter de resolver, tentando convencer outros países a darem helicópteros de ataque para fortalecer o potencial de combate da nossa força de reação rápida", disse.
Marco Serronha defendeu que a cobertura aérea é essencial para apoiar as operações militares terrestres da força portuguesa, frisando que existem helicópteros de transporte, mas não de ataque.
"Normalmente há sempre cobertura aérea quando a Força de Reação Rápida se movimenta para fazer alguma operação militar mais assertiva sobre um grupo armado, normalmente os helicópteros de ataque participavam. Não é que ataquem com grande poder de fogo os elementos dos grupos armados, mas tem um elemento dissuasor muito forte" disse.
O general considera que esta é uma "vulnerabilidade" que tem de ser resolvida.
A RCA caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por grupos armados juntos na Séléka, o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.
O Governo centro-africano controla um quinto do território e o resto é dividido por mais de 15 milícias que procuram obter dinheiro através de raptos, extorsão, bloqueio de vias de comunicação, recursos minerais (diamantes e ouro, entre outros), roubo de gado e abate de elefantes para venda de marfim.
Um acordo de paz foi assinado em Cartum, capital do Sudão, no início de fevereiro pelo Governo e por 14 grupos armados, e um mês mais tarde, as partes entenderam-se sobre um governo inclusivo, no âmbito do processo de paz.
Portugal está presente na RCA desde o início de 2017, no quadro da MINUSCA, com a 6.ª Força Nacional Destacada (FND), e militares na Missão Europeia de Treino Militar-República Centro-Africana.
A 6.ª FND, que tem a função de Força de Reação Rápida, integra 180 militares, na sua maioria Paraquedistas, pertencendo 177 ao Exército e três à Força Aérea.
O general disse que os militares portugueses, que são chamados a intervir em algumas das situações mais complexas no país, foram importantes para o acordo de paz assinado em fevereiro entre o governo e 14 grupos armados.
"Podemos distinguir duas situações. Uma é ação da Força de Reação Rápida que lá está e a aura que construiu, porque quando atua, atua a valer e tem sido um elemento dissuasor para os grupos armados. Quando sabem que a força portuguesa poderá vir a ser empregue pensam duas vezes antes de fazerem alguma ação, pois induz medo", explicou.
O outro aspeto importante foi os combates que ocorreram em janeiro em Bambari contra um dos principais grupos armados, a UPC, e que os forçou a participar no processo negocial para o acordo de paz.
Marco Serronha sublinhou que o padrão de atuação da força de reação rápida constitui hoje o referencial do que deve ser o desempenho dos contingentes de paz da ONU.
"É feito um apelo para uma melhoria da sua performance, tentando chegar àquilo que é a força portuguesa, que hoje é o referencial do que é e o que deve ser no futuro o desempenho das forças militares dos contingentes de paz em todas as missões", explicou.
O general diz que Portugal é modelo a seguir em termos das missões de paz, o que demonstra a "qualidade do treino e formação" das tropas, reconhecidos a nível internacional.
Marco Serronha disse ainda que a nível dos fatores ambientais, esta missão na RCA é "das mais complicadas" para as tropas portuguesas.
"Se em termos de ameaça do inimigo possa estar equiparado ao Afeganistão, os fatores ambientais são de facto bastante complicados na República Centro-Africana", esclareceu.
O general sublinhou que a RCA é maior que a Península Ibérica e tem apenas 300 quilómetros de estrada alcatroada, a sua maioria na capital Bangui, com grande parte do território a ficar intransitável na época das chuvas.
"Quando saem de Bangui para fazer aquelas projeções de 30 dias, o deslocamento é de facto uma carga de trabalhos. Chega a demorar oito dias para fazerem um deslocamento de 200 quilómetros ou 300 quilómetros e depois chegar ao sítio e ter de montar todas as condições logísticas para o apoio às operações", explicou.
Existem ainda outras problemas que enfrentam no país, como o caso de doenças como o paludismo, malária, cólera e zonas com surtos de ébola.
"Os grupos armados são uma parte das dificuldades, mas as condições ambientais são muito duras", explicou.