William Bourdon, um dos advogados de Rui Pinto, sublinhou, em declarações à imprensa britânica, que acredita que o pirata informático possa ser colocado em liberdade sem restrições muito em breve.
Em entrevista ao jornal The Guardian, o causídico francês confirmou que Rui Pinto tem colaborado com as autoridades portuguesas no âmbito de dois casos distintos, relacionados com lavagem de dinheiro - serão a Operação Fora de Jogo e os Luanda Leaks.
"Ele está em prisão domiciliária, mas esperamos que nas próximas semanas seja possível mudar a sua posição. Temos esperança de que possa ficar livre assim que possível sem quaisquer restrições", revelou o advogado francês.
"Tivemos uma conversa com o responsável pelas investigações, com o conhecimento do Ministério Público, tudo porque os ventos mudaram em Portugal. Não posso dar mais detalhes, apenas posso confirmar aquilo que já disse: passo a passo, estamos a começar a entrar numa relação cordial no sentido de haver cooperação. Mas isto é um jogo complexo, por isso vamos esperar para ver. Espero que todas as partes interessadas queiram agir de boa fé, de forma pragmática e no interesse comum", continuou.
Depois das denuncias no Football Leaks, que levaram inclusive à suspensão do Manchester City das provas europeias, Rui Pinto revelou aqueles que ficaram conhecidos como os Luanda Leaks e que expuseram o império da empresária Isabel dos Santos. William Bourdon acredita que estas revelações serviram para "limpar" a imagem de Rui Pinto perante os portugueses.
"Se o Football Leaks criou um tremor de terra, também criou uma certa hostilidade em relação ao Rui Pinto, porque ele estava a tentar destruir o muro económico do futebol. Mas, pouco a pouco, algumas pessoas foram vendo que a informação do Football Leaks podia ser útil no sentido de ajudar a descobrir um mundo que está infetado pela criminalidade", explicou.
"O Luanda Leaks foi de um nível completamente diferente. Os mais respeitosos cidadãos portugueses e políticos estão agora gratos a Rui Pinto por ajudar a acelerar a investigação. Eles sabem que ela [Isabel dos Santos] adquiriu propriedades em Portugal e que é uma das pessoas mais ricas do mundo. Por isso, houve uma mudança de perceção em relação a Rui Pinto. De repente, houve uma nova abordagem em relação a ele", afirmou Bourdon na mesma entrevista.
Bourdon confirmou, ainda, que Rui Pinto conversou com as autoridades portuguesas sobre a Operação 'Fora de Jogo', relacionada com evasão fiscal e lavagem de dinheiro e que este ano levou polícia, Ministério Público e Finanças a realizar 76 buscas, incluindo nas SAD de Benfica, FC Porto, Sporting, Sporting de Braga, Vitória SC, Marítimo, Estoril e Portimonense, além de visarem o agente Jorge Mendes no início de março. Os clubes negaram irregularidades, ao passo que o super empresário não comentou o assunto.
O hacker terá informado as autoridades de que as informações sobre este processo estão nos 12 discos rígidos apreendidos no apartamento em Budapeste, na Hungria, e que ninguém consegue aceder, a não ser ele.
"Segundo a lei portuguesa, o julgamento deverá acontecer em setembro. Mas espero que ele possa nessa altura aparecer diante do juiz como um homem livre. Isso, obviamente, mudaria tudo", finalizou.
Rui Pinto, que estava em prisão preventiva desde 22 de março de 2019, foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril, mas em habitações disponibilizadas pela Polícia Judiciária (PJ) e sem acesso à Internet, com o despacho da juíza de instrução criminal (JIC) Cláudia Pina a justificar que o arguido apresenta "agora um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a justiça".
Em janeiro deste ano, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu levar a julgamento o advogado Aníbal Pinto (apenas pelo crime de tentativa de extorsão à Doyen), e Rui Pinto por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, mas deixou cair 57 dos 147 crimes pelos quais o arguido havia sido acusado pelo Ministério Público (MP).
Contudo, a procuradora do MP, Patrícia Barão, recorreu da decisão instrutória para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), defendendo que o arguido deve ser julgado pelos 147 crimes que constam da acusação, aguardando-se ainda por essa decisão, que não tem efeito suspensivo do julgamento.
Em setembro de 2019, o MP acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, sete deles agravados, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República, e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.
Depois de ter sido detido na Hungria e enviado para Portugal, ao abrigo de um mandado de detenção europeu, Rui Pinto assumiu a entrega de um disco rígido à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África, que permitiu a revelação dos Luanda Leaks, um caso de corrupção relacionado com a empresária angolana Isabel dos Santos.
No despacho judicial que ordenou a alteração da medida de coação, a que a Lusa teve acesso, a JIC refere que, "analisando a pretensão" do arguido quanto à alteração da medida de coação e "as informações remetidas" pela PJ, constata-se que neste momento "encontram-se alteradas as exigências cautelares" relativas à aplicação da prisão preventiva, acrescentando que uma medida de coação menos gravosa "assegura de modo suficiente os perigos de fuga, de conservação da prova e de continuação da atividade criminosa".
"Por um lado, o arguido inverteu a sua postura, apresentando agora um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a justiça, por outro lado, neste momento as fronteiras encontram-se sujeitas a elevados controles devido à pandemia [da covid-19], o que por si reduz o perigo de fuga, importando também salientar que ao arguido deverão ser dadas, como a qualquer outro cidadão, as melhores condições possíveis para que se mantenha saudável e em segurança", justifica a juíza.
Na posse da investigação estão dez discos rígidos encriptados por Rui Pinto e aos quais a PJ ainda não conseguiu aceder.