As novas medidas da era do novo coronavírus - máscaras, distanciamento social, teleconferências, teletrabalho, telescola, telemedicina, etc. - tornaram a vida mais complicada a todos. Mas, para a comunidade surda e com deficiência auditiva, estas formas de proteção para evitar a propagação da Covid-19, transformaram tarefas diárias em autênticos labirintos com barreiras difíceis de ultrapassar no que diz respeito à comunicação.
Um dos maiores desafios surge com o novo quotidiano que implica a utilização de máscaras sempre que se sai de casa. Com o afrouxar das restrições no distanciamento social para reabrir as economias, os Estados começaram a recomendar e, em alguns casos específicos, a impor, a utilização deste equipamento de proteção. Em Portugal, é obrigatório usar máscara, desde o dia 4 de maio, nos transportes públicos, comércio, restauração e serviços públicos.
A utilização de máscara vigora em honra de um bem comum, contudo, esta impossibilita a leitura labial, dificultando as idas dos cidadãos surdos aos supermercados ou mesmo a consultórios médicos, tarefas estas essenciais para qualquer pessoa.
E esta utilização não afeta poucas pessoas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) mais de 5% da população mundial, ou seja, 466 milhões de pessoas, tem problemas de audição e muitos dependem da leitura labial lado-a-lado com a liíngua gestual para comunicar.
Ao Notícias ao Minuto, a Federação Portuguesa das Associações de Surdos (FPAS) diz que ainda assim, até ao momento, não recebeu nenhuma queixa ou reclamação oficial sobre o assunto, contudo, revela que têm chegado “preocupações sobre este tema”.
“A utilização das máscaras tem bastante impacto para a Comunidade Surda, uma vez que impossibilita a visibilidade da expressão facial que é um parâmetro fundamental na Língua Gestual (LGP - Língua Gestual Portuguesa no nosso caso). Por outro lado, a máscara impossibilita também a leitura labial que é muito importante na comunicação de algumas pessoas surdas”, explica o Pedro Costa, presidente da FPAS.
Até agora, uma das soluções apontadas era o uso de viseiras, no entanto, médicos especialistas, assim como a Direção-Geral da Saúde (DGS), já vieram a público sublinhar que “a utilização de viseira não deve dispensar o uso simultâneo de máscara”.
Assim sendo, o recurso a máscaras faciais transparentes será das poucas soluções possíveis. Algo que ainda é difícil encontrar em Portugal e no mundo, mas que nas últimas semanas começou a ser cada vez mais falado.
Na Bélgica, os professores de uma escola de crianças com necessidades especiais - a Royal Woluwe Institute, em Bruxelas - costuraram máscaras com uma ‘janela’ transparente que deixa ver a boca. Assim as crianças podem, não só ler os lábios como observar emoções.
Nos EUA, uma estudante fez máscaras transparentes reutilizáveis e criou uma conta na plataforma GoFundMe para ajudar a enviar, gratuitamente, a quem mais precisa.
Na Tailândia, Itália e Indonésia já há até instituições de caridade a distribuir máscaras transparentes, que estão a ser cada vez mais desejadas também pela comunidade não surda.
Na esperança de que as máscaras transparentes devolvam alguma normalidade à comunicação da comunidade surda, associações de vários países já pediram aos governos que adquiram estes equipamentos para distribuição comunitária.
Em Portugal, a FPAS garante que “tem articulado sobre as dificuldades com a tutela, para que [as autoridades de saúde e Governo] possam ter conhecimento das necessidades existentes”.
Enquanto não há resposta sobre a chegada destas máscaras ao mercado, o movimento ‘Fafe – ajuda aos profissionais de saúde’ já revelou que está a desenvolver uma máscara inovadora para terapeutas da fala e surdo-mudos.
No YouTube, há já vários vídeos, em inglês e francês, que ensinam a fazer máscaras com ‘janelas’ transparentes para a comunicação com o mundo.
Além das máscaras transparentes, uma das opções para facilitar a comunicação pode ser escrever num papel, mas Ema Gonçalves, presidente da Associação de Surdos da Ilha de São Miguel (ASISM) diz ao Notícias ao Minuto que o essencial mesmo é a solidariedade entre a população geral e sensibilização da mesma para a Língua Gestual Portuguesa (LGP) que, defende, devia ser ensinada na escola, como são ouras línguas como o inglês e francês.
“A nossa LGP é reconhecida pela Constituição da República, o Presidente Marcelo diz a LGP é uma língua oficial, mas os ouvintes não têm vontade aprender esta língua, como, por exemplo, inglês. A comunidade surda está habituada a adaptar-se para comunicar, temos experiência em alterações, por isso as máscaras não são um grande problema. Mais do que preocupados, estamos tristes e magoados, porque os ouvintes deviam ter formação e interessar-se por aprender LGP”, explica Ema, recordando que a maioria das pessoas sem problemas auditivos, assim como muitos surdos, não sabe comunicar em língua gestual.
Além de isolar as pessoas, a deficiente comunicação, defendem as autoridades de saúde internacionais, pode exacerbar sintomas como a ansiedade e a depressão e amplificar emergências globais de saúde como a pandemia para cidadãos surdos ou com deficiência auditiva.
"É espetacular! No continente está a funcionar, mas não funciona nos Açores e Madeira"
Apesar de as máscaras transparentes ainda não estarem a ser comercializadas e disponibilizadas em Portugal, o Governo tem mostrado algumas preocupações em dar ferramentas à comunidade surda para que esta possa estar atualizada sobre o novo coronavírus, como é o caso da presença de intérpretes de língua gestual em todas as comunicações sobre a pandemia e de um atendimento na Linha SNS24, adequado a cidadãos surdos, onde estão disponíveis intérpretes de língua gestual que fazem a ligação destes com um enfermeiro.
Uma medida elogiada pelo presidente da FPAS. “O direito de acesso aos serviços de saúde é uma das principais lutas que a FPAS e a comunidade surda travam há muitos anos e finalmente começam a ser dados passos neste sentido: como é o caso deste serviço de acessibilidade à Linha SNS24 e como é o caso da aplicação móvel MAI112 a funcionar desde julho/2019 (acessibilidade dos cidadãos surdos ao serviço de emergência 112/CODU que, através desta aplicação, podem pedir ajuda através do serviço de atendimento em LGP)”, elucida Pedro Costa.
Já a presidente da ASISM diz que esta medida é “espetacular”, mas revela que não está disponível para atender cidadãos surdos que vivam nos Açores ou na Madeira.
“É espetacular! No Continente está a funcionar, mas o sistema não funciona na Região Açores e Madeira. Era bom resolver este assunto, estamos à espera, as burocracias estão a atrasar-nos, infelizmente”, frisa Ema.
Recorde-se que a pandemia da Covid-19 já infetou mais de 3,8 milhões de pessoas e matou mais de 266 mil à volta do mundo. Em Portugal, o número de vítimas mortais já ultrapassa as mil e o de casos diagnosticados os 26 mil.