Governo dos Açores não pode decretar privação da liberdade individual

O Tribunal Judicial Comarca dos Açores considerou hoje que a privação da liberdade dos cidadãos está "fora do âmbito de competências" dos órgãos próprios das Regiões Autónomas, sendo exclusiva da Assembleia e Governo da República.

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Lusa
16/05/2020 17:31 ‧ 16/05/2020 por Lusa

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Covid-19

"A restrição desse ou outros direitos fundamentais é matéria da competência de dois órgãos de soberania, a Assembleia da República ou do Governo da República, e este se autorizado por aquela, quedando assim fora do âmbito de competências dos órgãos próprios das Regiões Autónomas, o que implica inconstitucionalidade orgânica dos normativos que a autorizam", declara a instância judicial em comunicado.

O Tribunal de Ponta Delgada deferiu hoje um pedido de libertação imediata ('habeas corpus') feito por um queixoso, contra a imposição de quarentena em hotéis por parte do Governo dos Açores.

Em causa está uma iniciativa de um queixoso que foi colocado em quarentena obrigatória numa unidade hoteleira em Ponta Delgada e avançou com um 'habeas corpus', que foi entregue à juíza de instrução criminal do Tribunal de Ponta Delgada que, por seu turno, desencadeou os mecanismos legais.

Desde o dia 26 de março que todos os passageiros que chegam aos Açores são obrigados a ficar 14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos passageiros não residentes no arquipélago desde 08 de maio.

A juíza de instrução criminal de Ponta Delgada, citada na nota de imprensa, considera que a situação em causa "era de privação da liberdade, entre outras razões, por nela não concorrer o consentimento do visado, decorrer em local confinado e sob vigilância policial".

Acresce que este ocorre "fora de estado de emergência, não tem título no artigo 27.º/1/3" da Constituição da República, o que "implica inconstitucionalidade material dos normativos que a autorizam".

Mesmo que não se verificasse uma "inconstitucionalidade orgânica", a juíza entende que, estando declarada a calamidade pública em todo o território nacional, "qualquer cidadão nacional pode livremente desembarcar" em qualquer aeroporto do continente e da Região Autónoma dos Açores.

Acresce que os residentes "não custeiam, mas os não residentes custeiam, o confinamento compulsivo", o que "viola o princípio da igualdade".

De acordo com a juíza de instrução criminal de Ponta Delgada, o "confinamento compulsivo de pessoa sem estar infetada, e sobre o qual não recaia fundada suspeita de infeção", agravado da "ausência da possibilidade de fazê-lo no domicílio", tendo ainda em conta que "pessoas positivamente infetadas fazem aí o seu tratamento, viola os princípios da proporcionalidade".

A Ryanair e a SATA não estão a operar entre o continente e a região, mas a TAP continua a ter ligações, embora em menor quantidade que o habitual, entre Lisboa e Ponta Delgada e Lisboa e Angra do Heroísmo.

Até ao momento, já foram detetados nos Açores 145 casos de infeção, verificando-se 105 recuperados, 16 óbitos e 24 casos positivos ativos para infeção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, que causa a doença covid-19, dos quais 16 em São Miguel, dois na Graciosa, um em São Jorge, três no Pico e dois no Faial.

Portugal regista hoje 1.203 mortes relacionadas com a covid-19, mais 13 do que na sexta-feira, e 28.810 infetados, mais 227, segundo o boletim epidemiológico divulgado hoje pela Direção Geral da Saúde.

 

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