Mais de um ano depois da regulamentação para a utilização de medicamentos à base da planta de canábis ter sido publicada em Diário da República, os pacientes portugueses continuam a não ter acesso a estes produtos nas farmácias.
No território nacional até já existem algumas empresas a produzir este tipo de substâncias, mas apenas para exportar para outros mercados em que a canábis medicinal é prescrita pelos profissionais de saúde com bastante frequência.
Porque é que não chega aos doentes portugueses? Porque é um processo muito burocrático e financeiramente inviável, longe de ser aliciante para os negócios.
E foi para esclarecer esta situação, onde a lei não só não saiu do papel como parece ter prejudicado os doentes que consumiam substâncias à base da planta de canábis para fins medicinais, empurrando-os para a ilegalidade, que o Notícias ao Minuto esteve à conversa com Carla Dias, presidente do Observatório Português de Canábis Medicinal.
A responsável, que entrou no 'mundo' da canábis medicinal' para ajudar a filha Isa, que sofre de epilepsia, garante que apesar de todos os desafios vai continuar a lutar para que a lei seja aplicada de forma a ajudar os pacientes que necessitam destes medicamentos, e revela que até já enviou uma carta à ministra da Saúde com o pedido de agendamento de uma reunião, no início de março. A resposta, talvez devido à pandemia da Covid-19, é que ainda não chegou.
Com a aprovação desta lei, a situação ficou pior para os doentes ou consumidores que estavam a usar o óleo de canabidiol (...) As pessoas deixaram de ter acesso a estes produtos, portanto, o que a lei veio fazer foi retirar o acesso que os pacientes tinhamA lei que legaliza a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta de canábis para fins medicinais entrou em vigor há mais de um ano. O que é que mudou desde aí? O que melhorou e piorou?
Com a aprovação desta lei, a situação ficou pior para os doentes ou consumidores que estavam a usar o óleo de canabidiol porque veio dizer que este tem propriedades terapêuticas - e até mesmo o THC [principal substância psicoativa encontrada nas plantas como a canábis] - e, por isso, este tipo de produtos têm de estar sob a alçada do Infarmed, ou seja, como têm propriedades terapêuticas tem de haver uma regulamentação para serem disponibilizados nas farmácias e não noutros locais.
Contudo e apesar de esta ter saído em janeiro de 2019, a mesma regulamentação vem dizer que tem de ser um médico a fazer uma prescrição de um medicamento, produto ou substância e que estas estarão disponíveis nas farmácias para depois as pessoas usarem como forma terapêutica nas diferentes patologias que estão elencadas no Infarmed e disponíveis no próprio site.
No entanto, o que aconteceu na realidade foi que o óleo de canabidiol que existia no mercado como suplemento alimentar, a partir desse momento que sai a lei e a regulamentação, é retirado do mercado porque é considerado ilegal. As pessoas deixaram de ter acesso a estes produtos, portanto, o que a lei veio fazer foi retirar o acesso que os pacientes tinham.
E a partir daí o que fizeram os doentes que já utilizavam o óleo de canabidiol, por exemplo?
As pessoas continuaram a usar, não é?! Vão à internet, vão ao site da marca que estavam a usar e tentam adquirir através da internet. Não têm nenhuma loja física, mas têm online. Portanto, continuam a usar e continuam sem acompanhamento médico que está previsto na lei porque não há nenhum médico que vá ajudar na orientação ou no acompanhamento da toma de um produto que é um suplemento alimentar, que não tem uma bula. Com isto tudo, a lei só veio piorar a situação existente.
Considera então que a promulgação desta lei foi um retrocesso?
Sim. Porque é que este produto [óleo de canabidiol] ainda não apareceu na farmácia? Porque esses suplementos alimentares não tinham um controlo de qualidade de segurança que permitisse a um médico prescrever este tipo de produto. Porquê? Porque ele não tem consistência, por exemplo, de lote para lote. Ele é regulado, neste caso pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), como suplemento alimentar e o que acontece é que um produto que aparece na farmácia tem de obedecer a uma autorização de colocação no mercado, se for uma preparação ou substância e se for um medicamento, a uma autorização de introdução no mercado (AIM), igual a qualquer um dos outros medicamentos.
Há uma apropriação das multinacionais de ficarem com o mercado e o que está a ser produzido em Portugal vai basicamente tudo para exportaçãoOu seja, defende que o óleo de canabidiol devia continuar a ser comercializado nos espaços onde antes o era e não nas farmácias?
Este óleo é um suplemento alimentar. As empresas que o produzem oferecem-no desta forma, sendo verdade ou não. Vale o que vale. Nós, por exemplo, sabemos que o Observatório espanhol fez, há dois anos, uma contra-análise em dois laboratórios diferentes de vários lotes, de várias marcas, das marcas mais usadas, e foram detetadas coisas que não estavam nas análises, nomeadamente, a ver com a toxicidade e com o perfil. Por exemplo, dizem que tinha uma quantidade de canabidiol (CBD) e na verdade não tinha, ou tinha mais ou tinha menos do que aquilo que estava no rótulo, por isso não podemos confiar inteiramente nessas empresas.
Uma autorização de colocação no mercado é o mais fiável, porque o Infarmed vai controlar o produto como se fosse um medicamento. Mas essa é que é a dificuldade, tem de ser a própria empresa a pedir a autorização de introdução no mercado de um produto ao Infarmed e isso requer meios financeiros e passar por muitas burocracias.
De acordo com o deputado do Bloco de Esquerda Moisés Ferreira, além de “estar tudo parado” na aplicação desta lei, a mesma abriu porta à “escassez de produto". Concorda?
Exatamente. Sim e abriu portas a outras coisas. Há uma apropriação das multinacionais de ficarem com o mercado e o que está a ser produzido em Portugal vai basicamente tudo para exportação. São vários os problemas que vieram minar todo este processo.
Porque é que o mercado português não é atrativo para essas empresas?
A canábis medicinal funciona em algumas patologias. Não é algo milagroso que funciona em tudo e mais alguma coisa. Em determinadas patologias há o alívio de sintomas, pode melhorar no tratamento de algumas doenças. Nós somos um país pequenino e também não temos tantas pessoas assim a precisar que compense um investimento de uma empresa a esse nível. Se calhar é mais vantajoso para as empresas exportar.
Mas porque não vender cá o que já exportam?
Porque têm de pedir uma autorização de colocação no mercado ao Infarmed o que também é um processo que, para muitas empresas, é financeiramente inviável com toda a burocracia que é necessária e custos associados. É muito mais fácil exportar um produto como suplemento alimentar. Não têm é autorização para vender em Portugal, têm de pedir quando o produto final estiver pronto. Isto é um processo muito demorado.
Uma empresa que está a pedir um licenciamento de cultivo, neste momento, tem de obter esse licenciamento, depois começa a produzir, tem de ter instalações e essas têm de ser licenciadas e após isso começar a produzir. Tudo isto leva um tempo, estamos a falar de uma planta. Uma planta que demora a crescer e que depois tem de ser clonada. Para haver três lotes iguais são necessários, no mínimo, nove meses. São três meses para o crescimento de cada lote e depois, no final, os três lotes têm de ser iguais em termos de análises. Muitas vezes o que acontece é que quando chega ao final de todo este processo não bate tudo certo, vão por água a baixo nove meses. Só se der tudo certo é que se pode exportar ou importar.
Nós temos uma lei que nos protege e não estamos a usufruir daquilo que a lei nos dá como legal. Neste caso, essa lei ainda piorou o estado das coisas. Alguém tem de ajudar estes pacientesPorque é que quase não há produtos à base de canábis disponíveis à venda nas farmácias portuguesas se a lei já foi aprovada há mais de um ano?
O único produto que está à venda é o Sativex, mas também é difícil adquirir porque é um produto muito caro. Muitas farmácias nem o têm disponível porque é um produto que ao consumidor custa cerca de 300 euros, mesmo depois da comparticipação do Estado. Estamos a falar em um produto para adultos, que tem uma durabilidade mediante a condição física da pessoa, da patologia e da dosagem que vai ser prescrita.
Pode dar para muito pouco tempo e há pessoas que não têm financeiramente disponibilidade de comprar, por isso, não serão todas as farmácias que terão disponível. Foram vendidos, até agora, muito poucos exemplares do Sativex em Portugal, porque é realmente muito caro.
Porque é quetem esse valor? É devido a todo o processo de produção?
Claro! Para este medicamento existir no nosso mercado ele sofreu imensos ensaios clínicos e estudos, o custo vem daí.
E como é que esta questão podia ser contornada? Qual seria a solução para existirem mais medicamentos à base da planta de canábis para fins medicinais e a preços mais acessíveis?
Alguns países já contornaram a questão e há várias soluções. É preciso é as pessoas quererem. Por exemplo, há países em que o laboratório militar começou a produzir manipulados. Uma coisa que nós já tentámos fazer, mas fomos travados nessa tentativa porque, segundo nos informaram, o laboratório militar não está dotado dessas competências, ou seja, não pode produzir um manipulado de canabidoides, apesar de produzir outros manipulados e medicamentos órfãos. Portanto, não tem autorização, neste momento para o fazer. Se alguém de direito neste país o quiser permitir, esta é uma solução.
A outra solução está relacionada com as empresas que têm produtos com GMP (Good Manufacturing Product), ou seja, produtos com qualidade e segurança que já foram certificados noutros países e que poderiam ser introduzidos cá no nosso mercado. Se já sofreram todo esse processo de pedidos de introdução no mercado e já são utilizados noutros países da Europa, sob prescrição médica, porque é que não se utilizam esses produtos e não se importam? Agora não é um bom momento com isto do coronavírus, mas nós fizemos um pedido de agendamento de uma reunião com o Ministério da Saúde para justamente ver estas questões porque temos de arranjar uma solução para os pacientes.
Nós temos uma lei que nos protege e não estamos a usufruir daquilo que a lei nos dá como legal. Neste caso, essa lei ainda piorou o estado das coisas. Alguém tem de ajudar estes pacientes. Estamos a falar, por exemplo, de doentes de oncologia, porque não é só o canabidiol, o canabidiol nós conseguimos comprar na internet, porque ele é de livre circulação, apesar de vir do canhâmo, mas, por exemplo, na oncologia, os doentes patológicos precisam de THC em diversas formas, não estou a falar do THC sob a forma fumada. Pode ser vaporizado, em extrato, pode ser misturado na comida. Temos alguns médicos portugueses que têm comprovado - com muitos dos pacientes que usam - que esta substância ajuda nos sintomas da quimioterapia.
Portanto, um doente oncológico que está a sofrer com os tratamentos e que tem, por exemplo, falta de apetite pode não conseguir superar o problema oncológico que tem por causa da quimioterapia porque esta é extremamente agressiva e não consegue melhorar a sua condição física para poder aguentar a quimioterapia para assim tratar o cancro. O THC vem justamente ajudar a aliviar esses sintomas da quimioterapia para que ele possa ser tratado e isto tem acontecido. Portanto, estamos a falar do sofrimento das pessoas, de uma lei que o prevê e as pessoas não estão a ser ajudadas.
E que alternativas têm os doentes cujos médicos prescrevam tratamentos à base de canábis medicinal e não os conseguem adquirir em Portugal? Onde podem arranjar estes produtos?
Os medicamentos tradicionais que custam um balúrdio ao Estado. Também ninguém pensa nisso. Os medicamentos convencionais que estão a ser utilizados, por exemplo, na quimioterapia e que não estão a funcionar. E estas substâncias à base da planta da canábis poderiam funcionar. Aliás porque está elencado no Infarmed. Está lá o alívio de sintomas da quimioterapia. Está lá! Portanto, onde é que está o produto, medicamento ou substância que vai aliviar as dores dessas pessoas? Não está e tem de aparecer!
O facto de a lei existir é bom, não podemos dizer que não é. Veio dar legalidade e veio atribuir qualidades a uma terapêutica. É sempre bom. O problema são as consequências que ela veio trazer e que, resumidamente, resultou na falta de acesso Acha que estes doentes estão, desta forma, a ser empurrados para a ilegalidade? Que consequências é que o auto-cultivo e a aquisição deste tipo de produtos no mercado negro pode trazer?
Claro! Nós temos um médico aqui em Portugal (e é daqui dos hospitais de Coimbra) que tem pacientes que usam e que está a resultar e onde é que eles vão comprar? Ao mercado ilegal! Não há sítio onde comprar. Nem na internet se consegue. E o que é que estão a tomar? Ninguém sabe. É por desespero de causa. Pode ter consequências. Sabem lá que níveis de toxicidade é que têm essas substâncias, que produto é que estão a usar. Não há análise nenhuma. É o desespero de uma pessoa que está doente. É uma questão de saúde pública. Estamos aqui a falar de uma questão de saúde pública quando nós temos uma lei. Isto não faz sentido!
E acha que esta lei trouxe alguns benefícios? Ou só trouxe consequências negativas?
O facto de a lei existir é bom, não podemos dizer que não é. Veio dar legalidade e veio atribuir qualidades a uma terapêutica. Veio dizer que a canábis medicinal, de acordo com ensaios clínicos e estudos existentes, é um benefício para quem dela precisar. É sempre bom. O problema são as consequências que ela veio trazer e que, resumidamente, resultou na falta de acesso.
Não é por ser liberalizada recreativamente que vai resolver o problema da canábis medicinal O BE quer levar novamente ao Parlamento a lei que legaliza o uso de canábis para fins recreativos. Acha que, ao ser permitido o uso recreativo de canábis isso podia facilitar o acesso a medicamentos à base da planta de canábis?
São coisas completamente diferentes. O uso recreativo é diferente do medicinal. Se uma coisa vai trazer benefício à outra, não sou a pessoa indicada para lhe responder. Se calhar é melhor vermos a evolução dos outros países para tirar uma conclusão. No que diz respeito ao auto-cultivo para fins medicinais, esta é uma questão muito complicada, se bem que alguns pacientes podiam usufruir de ter em casa duas ou três plantas. Seria autorizado o auto-cultivo para determinado paciente. Este poderia escolher a planta, visto que, há diferentes estirpes que, mediante a quantidade de canabidoides que tem, nomeadamente, de CBV e THC. vai beneficiar uma ou outra patologia.
Por exemplo, para a epilepsia não pode ter THC só CBD. Há sementes que se podem comprar que só terá aquela quantidade de CBV. Ou seja, a pessoa podia ter autorização para produzir e extrair, mas depois surgem outras questões. Esta situação do auto-cultivo não é viável para todos os doentes. Além disso, uma pessoa que está doente não tem condições de tratar de uma planta e fazer extração da mesma. Ou tem de deixar isso a cargo de alguém. Vamos imaginar que o doente tem de ser hospitalizado. Quem é que trata da planta? Já o recreativo não tem nada a ver com isto. O recreativo é uma coisa, o medicinal é outra. E há pessoas que eventualmente fumam de forma recreativa ou que fumam para o alívio dos sintomas de determinadas patologias. O tabaco é desaconselhado. Não é uma via que seja aconselhada por nenhum profissional de saúde para o alívio de sintomas de uma outra doença. Tem de se arranjar aqui uma outra via de administração para um alívio de sintomas. Não é por ser liberalizada recreativamente que vai resolver o problema da canábis medicinal.
A primeira vez que expus o caso da minha filha publicamente, porque estou em tudo isto por causa da Isa, acusavam-me de dar droga à minha filha, mas, entretanto, deixei de ouvir issoQuanto aos médicos, acha que estes estão mais sensíveis à prescrição deste tipo de medicamentos?
Ainda existe muito estigma e muito preconceito. Há imensos médicos que tiveram uma hora ou duas de formação no Ensino Superior sobre os canabidoides. E, na altura e ainda hoje em dia, este é um sistema muito associado ao estigma do THC por estar associado a estupefacientes, a uma droga. Nós vemos em muitos médicos isto enraizado, mas, no entanto, já começam a chegar até nós [Observatório] muitos profissionais de saúde - médicos e não só, enfermeiros, farmacêuticos - que acreditam nesta terapêutica, que vêm até nós e que são muito proativos e muito ativistas para com isto. Quanto à população em geral, acho que estes evoluíram muito mais que os profissionais de saúde na aceitação e não têm tanto preconceito.
O cidadão comum começou a ver os resultados empíricos nas pessoas que têm a seu lado, nas pessoas que conhecem e são as experiências que contam. Na primeira vez que expus o caso da minha filha publicamente, porque estou em tudo isto por causa da Isa, acusavam-me de dar droga à minha filha, mas, entretanto, deixei de ouvir isso. As pessoas vão acompanhando e vão percebendo que realmente há qualquer coisa que está a funcionar e se é a canábis medicinal então que seja. Afinal, não é nenhuma droga, afinal, é uma forma terapêutica que ajuda numa patologia.
Quem estava a utilizar os suplementos alimentares ou outro tipo de produto, comprou para se abastecer durante o confinamento. Foi assim que eu fiz e que muitas pessoas fizeramQuantas pessoas em Portugal têm prescrição para o uso de medicamentos à base de canábis?
Calculamos que sejam mais de 2 mil, mas não temos o número exato. Há ainda um bocadinho de proteção por parte das pessoas de dizer o que é que estão a tomar, se estão a tomar e para quê e elas não tornam isso público. Nós [Observatório], por exemplo, temos um formulário no nosso site que é de registo de utilizadores. As pessoas só têm de ir lá, fazer o registo e dizer se tomam, se não tomam, o que é que estão a tomar e se estão a ser acompanhados por algum profissional de saúde. É tudo com proteção de dados, mas as pessoas não o fazem porque têm algum receio ainda. Percebemos o que se passa mais através de contactos feitos a partir do Facebook, e-mail, telefone. Falamos com muitos pacientes, mas registados não temos. Este também é um dos nossos objetivos, começar a recolher estes dados, o que não é fácil. Isto era muito fácil se fosse feito pelos médicos. A partir do momento que eles começassem a prescrever, eles teriam dados. Assim não.
Que impacto é que a Covid-19 teve na vida dos doentes que usam canábis medicinal?
Poucos são os doentes que usam canábis medicinal que são acompanhados por profissionais de saúde, portanto, a Covid-19 não veio alterar aquilo que já não existia. No que diz respeito ao acesso, aí é que, pelo conhecimento que nós temos, das pessoas que nos foram contactando, muitas precaveram-se antes. Quem estava a utilizar os suplementos alimentares ou outro tipo de produto, comprou para se abastecer durante o confinamento. Foi assim que eu fiz e que muitas pessoas fizeram.
Em relação ao Observatório, eu enviei um pedido de agendamento de uma reunião à doutora Marta Temido, mas como foi no início de março, nunca obtive qualquer resposta. Eu compreendo, como é óbvio, mas ao mesmo tempo é como tudo o resto. O país não pode parar.e as pessoas que têm outras doenças e outras patologias também querem ver a sua situação resolvida. Vou enviar novamente o pedido para ver se agora, que a situação está mais calma, olham para tudo o resto e não apenas para a Covid-19.
Recentemente ouviu-se falar de um estudo que indicava que a canábis medicinal poderia, eventualmente, ajudar a evitar danos nos pulmões causados pela Covid-19. Acha que esta informação é verídica?
Durante o pico da pandemia e mesmo no pós, apareceram imensas notícias não só que davam a canábis como cura, como inúmeras outras coisas. Isso é tudo anedótico. Não tem base científica nenhuma. Daquilo que eu vi são as chamadas fake news.
O que a levou a criar o Observatório Português de Canábis Medicinal? Foi o caso da sua filha que a sensibilizou para este tema?
Eu comecei a dar o óleo de CBD à Isa e após as primeiras gotas ela teve uma melhoria significativa em número de espasmos, mioclonias e crises diárias. E foi melhorando sempre com o tempo, o que permitiu, neste ano e meio em que já lhe estou a dar, que ela evoluísse a nível motor, essencialmente. Como divulguei o caso da Isa foram chegando até mim imensas pessoas que começaram a utilizar também o CBD para a epilepsia e para outras sintomatologias e a pedir-me ajuda.
Entretanto, surge a lei e nós, enquanto grupo de pacientes e pessoas proativas, pensámos que tínhamos de fazer algo para esta lei funcionar, fazer pressão junto das entidades competentes, Infarmed, Ministério da Saúde e profissionais de saúde, e chegámos à conclusão de que para sermos mais fortes tínhamos de nos juntar e formar aquilo que não existia em Portugal que era uma força que pudesse tentar, por todas as formas, que o produto viesse cá para fora e que a lei fosse cumprida. Foi nesse sentido que criámos a associação.
Temos tido vários entraves porque, como já expliquei, este não é um processo simples. É muito demorado, tem muitos entraves e não é só sobre o tempo que a planta leva a poder ser utilizada. Refiro-me também a todos os processos burocráticos. Financeiramente há também aqui muitas divergências. Há pessoas que podem perder dinheiro e há pessoas que podem ganhar muito dinheiro. Há muitos lobbys e não é fácil, mas nós vamos tentando.
E qual é o principal objetivo do Observatório?
Temos pensadas ações de formação para profissionais de saúde, por exemplo. O ano passado tivemos uma conferência para motivar os profissionais e dar-lhes mais competências para este tema. É algo que vamos continuar a fazer. Vamos também fazer workshops para pacientes, de forma a alertar para determinados comportamentos de risco que possam vir a ter e para que tenham algum cuidado. Vamos continuar a lutar!
Se for apanhada com o frasco na mão vão fazer o quê? Vão prender-me? Então que me prendam! Mas não me vão prender só a mim, vão ter de prender imensas pessoas em PortugalComo descobriu que o óleo de canábis ajudava a sua filha Isa?
A Isa estava internada numa Unidade de Cuidados Intensivos quando isso aconteceu. Eu ia à procura de imensas soluções e estudos que indicassem formas terapêuticas para tirar a minha filha do estado mal epilético (ataque com duração superior a cinco minutos, ou duas ou mais crises dentro de um período de cinco minutos, sem que a pessoa volte ao normal entre elas) em que ela se encontrava e apareceu-me o canibidiol imensas vezes. Quando sugeri isso na Unidade de Cuidados Intensivos disseram-me que era impossível porque era ilegal - isto em 2017 - , mas quando vim para casa, como já não estava em contexto hospitalar, comecei a utilizar e a ver os resultados.
E como é que consegue adquirir esse óleo?
Compro através da internet, como toda a gente. Chega a casa em três dias.
Não tem medo das consequências, visto que, esta é uma aquisição ilícita?
Na verdade é e não é. Para já o óleo que eu compro tem uma percentagem de THC de 0,02%, portanto, está de acordo com a lei. O THC não está em níveis considerados como estupefaciente. Como suplemento alimentar é legal e na União Europeia a circulação de produtos é legal, não estou é a comprar fisicamente em Portugal. Agora, essa parte da legalidade não sei. Se for apanhada com o frasco na mão vão fazer o quê? Vão prender-me? Então que me prendam! Mas não me vão prender só a mim, vão ter de prender imensas pessoas em Portugal.