"Hoje podemos dizer que, em razão das consequências imediatas da pandemia, por exemplo na América Latina, ou das consequências indiretas sobre o crescimento económico e as condições de bem estar social, como é o caso de África, várias regiões muito importantes para este equilíbrio do mundo estão a ser muito fustigadas pelos efeitos da pandemia", afirmou Santos Silva numa mensagem enviada à 4.ª Conferência de Lisboa.
"Quando olhamos para a União Europeia, desde logo, ou para os Estados Unidos, vemos que os efeitos são também muito fortes a norte. Mas é evidente que a Índia, a América Latina, a África, está a ressentir-se e vão ressentir-se muito dos efeitos da pandemia de travagem sobre a sua própria dinâmica de crescimento económico, de melhoria social e até de avanço nas instituições e nas regras democráticas", frisou.
O ministro falava da necessidade de "olhar com atenção" para as mudanças geopolíticas que a pandemia de covid-19 pode implicar, nomeadamente na multipolaridade do mundo, traduzida na emergência de "polos de exercício do poder, de regulação e de influência".
"É muito importante que, para além da União Europeia (UE), para além dos Estados Unidos, da Rússia, da China e de outros grandes atores globais tradicionais, nós assistamos à emergência da Índia, da América Latina, de África e do Sudeste Asiático, entre outros", afirmou, frisando que "isso torna o mundo mais equilibrado".
"Sim, temos que olhar com cuidado para como vai emergir o mundo pós-covid, designadamente em matéria de diferenciação entre as diferentes regiões do mundo" (Santos Silva)
Augusto Santos Silva centrou a sua intervenção na defesa do multilateralismo e na forma como a pandemia pôs em evidência a necessidade de uma cooperação internacional acrescida, até pelos "efeitos disruptivos" que teve em "elementos essenciais da globalização", como "o transporte aéreo, a mobilidade das pessoas, as cadeias de valor global", entre outros.
Apontando que, no início da pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) não pôde "agir beneficiando do consenso de todos e da legitimidade que vem desse consenso", nem "com toda a informação e toda a capacidade analítica necessárias", o que teve efeitos negativos na resposta global, o ministro defendeu que vai ter de ser feita "uma análise séria, cientificamente informada" sobre essa resposta "para tirar lições".
"Porque todos nós sabemos, sobretudo aqueles que mais convictamente defendem, como é o meu caso, o sistema das Nações Unidas e o multilateralismo que ele encarna, que para torná-lo mais eficiente é preciso reformá-lo e, dentro da agenda de reforma das Nações Unidas, também deve estar na agenda a reforma de organizações tão importantes para o multilateralismo como a OMS e a Organização Mundial do Comércio (OMC)", defendeu.
Salientando a necessidade "de continuar, e ainda com mais vigor, a agir coletivamente para responder a desafios que tocam a todos", Santos Silva deu como exemplo a UE e "a capacidade que teve de se reinventar, acelerar o seu processo de decisão e ser firme nas escolhas" ao aprovar a emissão de dívida conjunta para responder às consequências económicas e sociais da pandemia, o "quebrar de um tabu que vinha paralisando" a União.
"E também tirarmos consequências normativas, porque é possível agir coletivamente, é possível agir a tempo, e nós temos que ter a capacidade e a vontade de o fazer sob pena de a sorte dos nossos cidadãos, e portanto a de nós próprios, ficar em perigo", concluiu.
Augusto Santos Silva foi um dos participantes na 4.ª Conferência de Lisboa, evento 'online' promovido pelo Clube de Lisboa e subordinado ao tema "A Aceleração das Mudanças Globais e os impactos da pandemia".