Num documento de reflexão em que analisa a resposta de Portugal à pandemia de covid-19, o CNS reconhece que a suspensão dos cuidados de saúde presenciais se justificava numa fase inicial de alarme, para reorganizar circuitos e rever procedimentos, mas diz que se manteve "injustificadamente durante vários meses".
"A demora no reagendamento de cuidados de saúde e a ausência de comunicação específica dirigida às pessoas com doença não só não foram compreendidas pelas pessoas afetadas, como poderão ter um impacto não negligenciável na saúde a curto, médio e longo prazo", afirma.
Num documento de 16 páginas divulgado na sua página oficial da internet, este órgão consultivo do Governo lembra ainda o excesso de mortalidade registado entre 01 de março e 22 de abril (entre 2.400 a 4.000 mortes), sobretudo associado a pessoas com idade superior a 65 anos, sublinhando que "é três a cinco vezes superior ao explicado pelas mortes por covid-19 reportadas oficialmente".
"Pressente-se assim que muitas pessoas com doenças agudas ou crónicas graves possam não ter procurado o sistema de saúde por receio de serem contaminadas, ou não terem encontrado nele as respostas necessárias", afirma.
Relativamente aos cuidados domiciliários e paliativos e às diversas terapias de reabilitação, o CNS diz que a sua interrupção, mantida ainda hoje em muitos casos, "não só carece de justificação técnica ou organizacional, como acarreta consequências graves, já reconhecidas pelos utentes e as suas famílias, do ponto de vista da saúde e da qualidade de vida".
Critica ainda o facto de as associações de doentes não terem sido chamadas a "participar nos fóruns de discussão para a tomada de decisão de medidas de controlo da pandemia", uma decisão que diz ter relegado os cidadãos a meros "destinatários dos cuidados de saúde" e que não garante uma tomada de decisão "inclusiva e transparente" nem a "boa governança da resposta pública à covid-19".
"Aliás, ainda nada se fez -- e será essencial perante a expectativa de consequências crónicas da infeção -- para organizar e ouvir os doentes que contraíram a infeção. Descrever e estudar os seus percursos é o mínimo que se exige para pensar intervenções com base em conhecimento", acrescenta.
O CNS considera ainda que a centralização da triagem, orientação e referenciação para os serviços de saúde de potenciais casos suspeitos de covid-19 e do esclarecimento de dúvidas na Linha SNS24 "foi um importante nó de estrangulamento da resposta".
"A criação do serviço de apoio psicológico, disponível através dessa linha, terá sido uma resposta importante, mas insuficiente aos desafios da saúde psicológica sentidos por utentes e profissionais de saúde em situação de crise", defende.
Em relação à dispensa de medicamentos, os especialistas do CNS dizem que a possibilidade de renovação automática das prescrições eletrónicas "sem que tivessem sido envolvidas todas as partes interessadas", em particular os prescritores, os utentes e as farmácias, "criou uma confusão generalizada, limitando a sua efetiva implementação".
Contudo, consideram que este tipo de respostas à pandemia, para facilitar o acesso dos doentes aos cuidados de saúde, se deve manter.
O CNS considera também que, na gestão governamental do chamado dever de recolhimento, direito a teletrabalho e necessidade de confinamento, a exclusão de pessoas com diabetes e hipertensão do estatuto de proteção especial com possibilidade de ficarem em teletrabalho", em detrimento de uma medida geral de proteção especial para todas as pessoas com risco acrescido de consequência graves se infetadas pelo SARS-CoV2, "criou confusão e desconfiança na população, as quais seriam de evitar numa pandemia".
Na reflexão sobre a resposta de Portugal à pandemia, o Conselho Nacional de Saúde diz que a pandemia "veio colocar à vista várias fragilidades do sistema de saúde" e "tornou ainda mais óbvia a insuficiência de recursos humanos e materiais" e uma "importante desigualdade no acesso aos cuidados de saúde, tanto geográfica como socioeconómica".
Sobre os lares, diz que o efeito colateral do confinamento e a proibição de visitas "terá colocado uma grande percentagem de idosos em isolamento social o que, aliado às frágeis condições socioeconómicas de uma parte significativa da população nesta faixa etária, à falta de apoio domiciliário e às condições sanitárias e de recursos humanos deficitárias de muitos ERPI, poderá ter resultado em risco acrescido de morbilidade e mortalidade relacionadas com a COVID-19 ou outras patologias".
Defende igualmente a urgência de planos específicos para colmatar as consequências da pandemia no bem-estar pessoal, social e económico das famílias, lembrando que o aumento do desemprego em agregados com menor rendimento vai afetar amplamente a saúde física e mental da população.