Naquela que foi a primeira entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto candidato (novamente) às eleições presidenciais, começou por falar enquanto Presidente, justificando que não falou com a viúva de Ihor Homeniuk para "não abrir uma exceção". O chefe de Estado sublinhou também que falou "inúmeras vezes com o primeiro-ministro" sobre a situação do SEF.
Neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa começou por explicar o facto de não ter entrado em contacto com a mulher do cidadão ucraniano que morreu nas instalações do SEF. "Tinha falado no início de abril da investigação criminal em curso. A minha posição tem sido a mesma: quando há um processo criminal em curso, não falo dele publicamente".
O princípio, prosseguiu, "é não me imiscuir na atividade judiciária e antecipar juízos. Entendi que o Presidente de Portugal não deveria ligar para a Ucrânia e abrir uma exceção. Isso seria visto como uma imiscuição na atividade de outras entidades portuguesas".
Ainda assim, garantiu que falou "inúmeras vezes com o primeiro-ministro" sobre a situação do SEF, sendo que a "reforma global" daquela força policial era "um problema pendente desde o programa do Governo". "Se já tínhamos falado da matéria, nunca deixámos de falar, nunca trouxe a público porque achei que não o devia trazer", afirmou.
Confrontado com o seu silêncio ao longo destes meses, Marcelo referiu que, desde maio, "sucessivamente, nunca nenhum jornalista" o questionou "sobre esta matéria". Se o tivessem feito, "teria dito que tenho tratado da matéria com o primeiro-ministro. Preocupa-me [o tema] em termos específicos e genéricos".
E quanto a ter um novo SEF considera que "significa transferir as competências de controlo de fronteiras para outras entidades policiais e isso é uma revolução difícil. Por isso é que demorou tanto tempo a ser debatida".
Questionado diretamente sobre se o ministro Eduardo Cabrita deve manter a pasta da Administração Interna, quando vários partidos defendem o seu afastamento, Marcelo respondeu de forma perentória: "A pergunta já foi respondida pelo primeiro-ministro hoje, [quando] disse que tem confiança total. E o ministro não pediu a demissão".
TAP? Tem de se fazer a reestruturação e pagar o preço
Sobre a reestruturação da TAP, o Presidente da República manifestou-se partidário da manutenção da companhia aérea devido "às comunidades portuguesas", e vincou: "Tem de se fazer uma reestruturação e tem de se pagar o preço dessa reestruturação".
O candidato presidencial foi igualmente questionado relativamente à competência do Tribunal de Contas para levar a cabo a auditoria ao Novo Banco, mas escusou-se a comentar o tema, alegando que prefere "respeitar" o Tribunal. Ainda assim, lamentou, novamente, a demora da auditoria da Deloitte, sustentando que os nove meses, constatou, foram "tempo demais".
"Ministra [da Saúde] estava ali a assumir um compromisso público"
Sobre a vacina contra a gripe - que Marcelo disse, em meados de outubro, que estaria disponível para todos os que assim o entendessem até ao início de dezembro, mas que não se veio a verificar -, o Presidente atirou a responsabilidade para a ministra Marta Temido. "A ministra [da Saúde] estava ali a assumir um compromisso público".
O candidato à 'corrida' a Belém acabou por revelar que assumiu depois a "plenitude da responsabilidade em matéria sanitária". E foi ele inclusive que tomou "a iniciativa do primeiro Estado de Emergência", que “não foi pacífico”.
Aliás, assumiu, a situação da vacina da gripe levou-o a ser mais cauteloso em relação à vacina contra a Covid-19, optando por estabelecer "contactos com as empresas produtoras" do fármaco. Essas reuniões, no Palácio de Belém, permitiram ao chefe de Estado constatar que "há vacinas que estão atrasadas, não contemos com elas, em princípio, em janeiro".
A normalidade no país será alcançada, aos olhos de Marcelo, quando o número de novos casos de Covid-19 for reduzindo "ao ponto que a sua projeção nos internamentos e nos cuidados intensivos permita considerar uma realidade estabilizada". Outro fator a considerar nesta equação é, naturalmente, "o número de vacinados", que aumente, por consequência, o nível de imunização dos portugueses.
"Tenho vários defeitos mas não sou burro nem louco"
E quanto às eleições a que concorre e que se avizinham, Marcelo recusou, desde logo, comparações com os resultados históricos de Mário Soares que, em 1991, alcançou 71% nas presidenciais. "Tenho vários defeitos mas não sou burro nem louco. Mário Soares é irrepetível".
O atual chefe de Estado atirou inclusive que levaria "uma abada", lembrando o contexto que esteve na base da eleição de Mário Soares. Para piorar o cenário, há uma pandemia que afeta o país e o mundo. Por isso, rematou, "é o que for".
O estado da Direita no país
No domínio político, questionado em relação ao surgimento de uma nova Direita durante o seu mandato, considerando a eleição de André Ventura, do Chega, Marcelo vincou: "Não sou um Presidente de fação, não fui eleito para ser o presidente da Direita contra a Esquerda nem para ser o Presidente que protege a Esquerda contra a Direita”.
Feito o esclarecimento, admitiu que o preocupa "sempre a alternativa à Direita, para equilibrar o sistema. Porém, as alternativas à Direita começaram a esboroar-se quando houve uma divisão de estratégia entre o PSD e o CSD em 2016 e 2017”.
"O Presidente da República não pode esquecer-se que o é quando é candidato", referiu para se recusar a classificar o deputado único do Chega, assegurando que se for eleito continuará a colaborar "com os líderes partidários".
Quando ao tema em 'cima da mesa' foram os acordos de governação, o chefe de Estado sustentou que não exigiu” e nem vai exigir um “acordo escrito para formação de qualquer Governo”. Já sobre a possibilidade de um acordo de governação com o Chega, o Presidente admite, "não vejo razão constitucional para não dar posse a um governo apoiado no Chega". Um Presidente da República, lembrou ainda, "não pode discriminar o Chega".
E quanto a Rui Rio poderá chegar ao Governo e ser o primeiro-mineiro? Marcelo preferiu não responder à questão, relegando essa posição aos portugueses.
Para finalizar, Marcelo deixou um repto aos adversários, considerando que todos os candidatos às eleições presidenciais deveriam ser convidados a assistir às reuniões com epidemiologistas sobre a pandemia. Porquê? "Qualquer um deles pode vir a ser Presidente da República".
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