Sócrates pronunciado por seis crimes. Cinco arguidos vão a julgamento

Seis anos depois de ter sido detido no Aeroporto de Lisboa, José Sócrates, e outros arguidos do processo Operação Marquês, ficaram hoje a saber se vão a julgamento e por que crimes. Ministério Público já anunciou que vai recorrer.

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Notícias ao Minuto com Lusa
09/04/2021 15:01 ‧ 09/04/2021 por Notícias ao Minuto com Lusa

País

Operação Marquês

José Sócrates foi, esta quinta-feira, ilibado dos três crimes de corrupção passiva pelos quais estava acusado relacionados com o Grupo Lena e o empresário e seu alegado testa-de-ferro, Carlos Santos Silva, entre 2005 e 2011, outro entre o ex-chefe do Governo e o antigo banqueiro Ricardo Salgado envolvendo o Grupo Espírito Santo e a PT, e ainda um terceiro em coautoria com o ex-ministro Armando Vara sobre o financiamento pela Caixa Geral de Depósitos do empreendimento Vale do Lobo.

Na leitura da decisão instrutória realizada hoje no Campus de Justiça, em Lisboa, o juiz Ivo Rosa apontou que não encontrou irregularidades nos casos Parque Escolar e TGV. A acusação foi arrasada e apelidada de "incoerente", com "pouco rigor e consistência" e "especulativa". Todos os crimes de corrupção caíram na Operação Marquês.

José Sócrates vai a julgamento pronunciado por seis crimes: três crimes de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documentos. É o primeiro ex-chefe do Governo português a ser julgado.

O procurador do Ministério Público Rosário Teixeira anunciou hoje que vai recorrer da decisão instrutória da Operação Marquês, que decidiu não levar a julgamento por corrupção o antigo primeiro-ministro José Sócrates.

Leia aqui na íntegra a Decisão Instrutória da Operação Marquês

Decisões pronunciadas pelo Juiz Ivo Rosa: 

Só cinco dos 28 arguidos vão a julgamento. 

  • José Sócrates e Carlos Silva - Julgados por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documento; 
  • Ricardo Salgado - Julgado por três crimes de abuso de confiança; 
  • Armando Vara - Julgado por um crime de branqueamento; 
  • João Perna - Julgado por detenção de arma proibida;
  • Joaquim Barroca - Não vai a julgamento; 
  • Luís Ferreira Marques - Não vai a julgamento; 
  • José Luís Ribeiro dos Santos - Não vai a julgamento; 
  • Zeinal Bava - Não vai a julgamento; 
  • Henrique Granadeiro - Não vai a julgamento; 
  • Bárbara Vara - Não vai a julgamento; 
  • Rui Horta e Costa - Não vai a julgamento; 
  • José Diogo Gaspar Ferreira - Não vai a julgamento; 
  • José Paulo Pinto de Sousa - Não vai a julgamento; 
  • Hélder Bataglia - Não vai a julgamento; 
  • Gonçalo Ferreira - Não vai a julgamento; 
  • Inês do Rosário - Não vai a julgamento; 
  • Sofia Fava - Não vai a julgamento; 
  • Rui Mão de Ferro - Não vai a julgamento.

No início da leitura, o juiz Ivo Rosa referiu as várias "violações do segredo de justiça" e do julgamento "na esfera pública e redes sociais" assinalou que "chegou o tempo da justiça", defendendo que o "direito penal tem regras". "Só cumprindo as regras do direito é que o processo se credibiliza", disse, frisando que o processo de decisão "tem que cumprir a legalidade processual".

"A procura da realidade não se faz a todo o custo", notou, afirmando também que "a verdade material nem sempre é que é veiculada pela acusação".

O juiz destacou, na leitura da súmula, que decisão instrutória "é uma decisão correta, devidamente fundamentada". "Esta decisão também não é a favor nem contra ninguém", acrescentou.

Ivo Rosa anunciou que extraiu uma certidão para a Procuradoria-Geral da República (PGR) averiguar a distribuição da Operação Marquês a Carlos Alexandre. Segundo Ivo Rosa, em causa está a eventual violação do princípio do juiz natural ou juiz legal.

As decisões em pormenor: 

  • Caíram dois crimes de falsificação de documento de Sócrates e Carlos Santos Silva

"Por violação das regras do tribunal, caem dois crimes de falsificação de documentos", disse o juiz. 

  • Escutas do Face Oculta não podem ser usadas

Ivo Rosa anunciou  que as escutas telefónicas obtidas no âmbito do processo Face Oculta são consideradas inválidas e não podem ser usadas.  As escutas telefónicas obtidas no âmbito do processo Face Oculta "têm nulidade insanável". 

O processo Face Oculta, que estava relacionado com uma alegada rede de corrupção que teve como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com empresas do setor do Estado e privadas tinha entre outros, como arguido, Armando Vara, que foi apanhado em escutas com José Sócrates.

  • Sofia Fava, Inês do Rosário e João Perna não vão ser julgados pelo crime branqueamento de capitais
  • Crime de corrupção passiva relacionado com o favorecimento do grupo Lena, imputado a Sócrates, caiu. O crime prescreveu

"Este crime já estava prescrito por altura da detenção e da acusação dos arguidos". Sobre o alegado favorecimento do Grupo Lena enquanto era primeiro-ministro, o juiz entende que a acusação "não prima pelo rigor necessário para que se extraiam consequências jurídicas". Neste ponto, o juiz destacou que o que está em causa é a avaliação de "atos criminais" e não a avaliação de atos "da esfera política".

Foram também ilibados, na acusação de corrupção envolvendo o Grupo Lena, Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo), e o empresário Carlos Santos Silva, alegado testa-de-ferro de Sócrates.

Segundo a decisão instrutória, o crime de corrupção passiva de titular de cargo político em coautoria com Santos Silva e Grupo Lena estava prescrito. Concluiu ainda que o grupo Lena não foi favorecido por José Sócrates.

  • Sócrates ilibado nos casos da parque Escolar e TGV 

O juiz Ivo Rosa considera que "não foram identificadas ilegalidades" no caso das obras da Parque Escolar. Sobre o concurso do TGV, o juiz não encontrou ilegalidades praticadas pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates no concurso da linha ferroviária de alta velocidade Poceirão/Caia. Afirmou que nenhuma das testemunhas referiu o envolvimento de Sócrates ou interferência do ex-primeiro-ministro no processo.

Não ficou provado que Sócrates tivesse qualquer intervenção junto dos ministros das Obras Públicas e das Finanças, bem como junto do júri do concurso, para adjudicação da empreitada em causa.

  • Venezuela e Grupo Lena. Não há prova de crime por parte de Sócrates

O Juiz Ivo Rosa arrasou a acusação do Ministério Público: "Incoerente". A negociação entre ambas as partes não teve intervenção de José Sócrates. Não há prova de crime nos negócios com a Venezuela. 

  • GES, Ricardo Salgado e PT

Prescreveram crimes de corrupção ligados ao GES. O juiz considerou que o crime de José Sócrates em relação a Ricardo Salgado prescreveu em 2015. O crime de corrupção quanto à OPA sobre a PT também cai: "Acusação mostra pouco rigor". 

"Não se mostra indiciada qualquer intervenção do primeiro ministro José Sócrates quanto à OPA da PT", afirmou Ivo Rosa. O juiz disse também que não há qualquer intervenção de Sócrates em favorecer Salgado na OPA da SONAE sobre a PT.

O juiz considerou não haver "prova" de que Ricardo Salgado terá pagado 12 milhões de euros a José Sócrates: "Total incoerência da acusação", diz Ivo Rosa, voltando a arrasar o Ministério Público. O ex-primeiro-ministro não será pronunciado pelo crime de corrupção - até ao momento, caíram dois dos três crimes de corrupção passiva que estavam imputados a Sócrates

Ricardo Salgado vai a julgamento por abuso de confiança. A decisão iliba Salgado dos restantes crimes que lhe eram imputados: corrupção ativa de titular de cargo político (um), corrupção ativa (dois), branqueamento de capitais (nove), falsificação de documento (três) e fraude fiscal qualificada (três).

  • Caso PT/Oi

Acusação mostra "pouco rigor e consistência" no caso PT/Oi. "É pura especulação e não existe prova direta que o dinheiro recebido por Carlos Santos Silva tenha origem no BES, relativamente ao negócio PT/Oi. É mera fantasia", apontou Ivo Rosa.

O juiz de instrução considerou ainda não ser possível concluir que José Sócrates manteve contactos com as autoridades brasileiras e com o antigo Presidente do Brasil Lula da Silva para beneficiar Salgado no negócio da PT relativo à operadora Oi.

  • Vale de Lobo

Este é o terceiro caso em que o ex-primeiro-ministro está indiciado por corrupção. Este crime prescreveu, entendeu o juiz Ivo Rosa, pelo que José Sócrates não vai ser pronunciado por qualquer crime de corrupção passiva. Branqueamento de capitais também 'cai'. 

Nenhum membro do Governo ou o próprio Sócrates tiveram uma intervenção direta no financiamento de Vale do Lobo: "Não faz sentido que Armando Vara tivesse à vontade para envolver nome do então primeiro-ministro". 

O antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara vai a julgamento no caso Operação Marquês por um crime de branqueamento de capitais. Foi ilibado dos restantes crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.

  • Origem do dinheiro 

Justificações de Sócrates sobre origem do dinheiro vivo - dado pela mãe do ex-primeiro-ministro - não são válidas. Juiz Ivo Rosa não acredita em empréstimos de Santos Silva a José Sócrates. "Nada impedia empréstimos", mas suscitam dúvidas. "As entregas [de dinheiro] tinham como objetivo gerar simpatia". 

Ivo Rosa entende que há indícios para julgar José Sócrates pelo crime de corrupção sem demonstração de ato concreto. Mas o crime está prescrito. O ex-primeiro-ministro e o amigo Carlos Santos Silva vão a julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e ainda falsificação de documento.

O antigo governante não poderia ser julgado por fraude fiscal, uma vez que não estaria obrigado a declarar verbas que teria recebido como suborno: estaria a levar "à sua autoincriminação". Crime também 'cai'.

  • Bava e Granadeiro

Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, administradores da PT, ficam ilibados dos crimes de corrupção. Granadeiro viu ainda 'cair' o crime de peculato. Todos os crimes de corrupção caíram. 

Leitura da decisão começou às 14h43 (e durou horas)

A leitura da decisão instrutória da Operação Marquês começou às 14h43 de hoje no Campus da Justiça, em Lisboa, onde ficou conhecido quem vai a julgamento e por que crimes ficou pronunciados.

O ex-primeiro ministro José Sócrates estava acusado desde 2017, na operação Marquês, de 31 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, num processo com 28 arguidos e que já dura há sete anos.

No processo estavam em causa 189 crimes económico-financeiros, sustentando a acusação que José Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2005 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses de Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo (GES) e na PT, bem como para garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento turístico Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios, nomeadamente fora do país, do Grupo Lena.

A fase de instrução começou em 28 de janeiro de 2019, sob a direção do juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, que hoje anuncia a sua decisão.

Um ano e três meses depois, em março de 2020, teve início o debate instrutório, que terminou em 2 de julho. O processo é composto por 146 volumes, 56.238 folhas, às quais se juntam 4.895 folhas entregues na fase de instrução, que teve mais de 39 horas de alegações. Na fase de instrução foram realizados 11 interrogatórios a arguidos e inquirição de 44 testemunhas, o que perfaz mais 133 horas.

A acusação do MP foi elaborada por sete procuradores, é composta por 11 volumes [5.036 folhas], 14.084 segmentos de factos e 189 crimes, dos quais 31 ilícitos penais atribuídos ao ex-primeiro-ministro. Confira a lista de arguidos e crimes imputados.

[Última atualização às 18h55]

Leia Também: Operação Marquês: José Sócrates acusado de 31 dos 189 crimes do processo

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